Título: Vale reabre mercado externo de dívida com juros em queda
Autor: Travaglini , Fernando
Fonte: Valor Econômico, 05/09/2012, Finanças, p. C1

A Vale reabriu a temporada de captações no segundo semestre com uma colocação de papéis de 30 anos pagando um dos menores juros da história. O custo pago pela mineradora, de 5,625% ao ano, mostra uma queda de mais de um ponto percentual sobre a taxa conseguida com os investidores em 2009, quando a empresa fez uma emissão de bônus de mesmo vencimento e taxa de 6,875% ao ano.

Além disso, a transação foi a primeira de uma empresa brasileira no ano sem o pagamento de prêmio sobre a taxa dos papéis negociados no mercado secundário. Conhecido como "new issue premium", esse spread representa o quanto o investidor estrangeiro exige de gordura para adquirir um novo bônus de uma companhia. No primeiro semestre, a Vale fez uma emissão de 10 anos, muito mais líquida, pagando um prêmio da ordem de 15 pontos bases sobre os papéis do secundário.

"Esperamos que outras companhias consigam captar com prêmios baixos ou até mesmo negativos", afirma Leandro Miranda, diretor do Bradesco BBI, um dos bancos que coordenaram a operação ao lado de BB Securities, Citigroup, J.P. Morgan e Santander.

A queda dos juros foi possível, por um lado, pelo nível historicamente baixo da remuneração dos títulos da dívida do governo americano, que serve de referência para esse tipo de operação. O papel dos EUA de 30 anos é negociado a 2,695% ao ano. Além disso, a demanda do investidor estrangeiro pelos papéis chegou a US$ 4,5 bilhões, uma procura três vezes superior ao total.

Essa conjunção de fatores, aliada à volta do bom humor internacional, deve atrair novos emissores, avalia Mário Leão, diretor-gerente responsável pelo mercado de renda fixa do Morgan Stanley. "As empresas têm sido muito disciplinadas, e têm feito captações preventivamente e a maioria nem precisa de recursos neste momento. Mas há uma conjunção muito favorável e rara de fatores, com as taxas próximas das mais baixas da história, o que deve motivar as companhias", diz.

Até por isso, algumas companhias devem lançar papéis já antecipando o orçamento de 2013, avalia Leão. "As empresas com altas notas de risco já estão com suas demandas de recursos sanadas. Mas podemos esperar que elas façam o pré-funding para aproveitar a oportunidade."

A operação da mineradora deve ser, portanto, a primeira de uma série. Com o fim das férias de verão no Hemisfério Norte, a expectativa é que as grandes companhias brasileiras voltem ao mercado externo para buscar recursos até o fim do ano. Até mesmo as companhias com notas de risco mais elevadas, que ficaram sem acesso no primeiro semestre, podem encontrar espaço para captar recursos.

Após a Vale, o governo brasileiro também deve colocar papéis de 10 anos, como já sinalizou o secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin. Os bancos também devem vir na sequência.

Mas os emissores devem esperar a performance dos papéis da mineradora no mercado secundário nos próximos dias, já que a expectativa é de novas quedas dos juros, dada a demanda elevada pelos títulos da Vale.

Apesar da sinalização positiva de ontem, ninguém espera por uma enxurrada de dólares para o Brasil, como ocorreu no começo de 2012. Naquele momento, as empresas encheram os caixas captando US$ 34,5 bilhões (até agosto), com poucos investimentos realizados até o momento e a economia ainda andando "de lado".

"O mercado esteve aberto mesmo durante as férias. O que houve foi a falta de apetite dos emissores", diz Pedro Bianchi, diretor do Bank of America Merrill Lynch. "Muitos fizeram a maior parte das captações no começo do ano e ainda estão muito líquidos."

Algumas companhias chegaram a acessar o mercado mais de uma vez nos primeiros meses do ano. A própria Vale captou ontem pela terceira vez no ano. Isso limita o raio de ação de alguns fundos estrangeiros, que têm limites de alocação para determinados setores.

A expectativa é que até o fim do ano o país atraia entre US$ 12 bilhões e US$ 15 bilhões com o lançamento de títulos no mercado externo, segundo executivos ouvidos pelo Valor. Cálculos dos bancos de investimento apontam que, se todos emissores frequentes vierem a mercado, serão pelo menos 10 operações, em torno de US$ 1 bilhão cada, mais uma operação mais expressiva da Petrobras, talvez totalizando US$ 3 bilhões, em outras moedas, como euro e libra.

"Esta não é uma janela apenas. A Vale reabriu definitivamente o mercado para as empresas brasileiras de primeira linha", avalia Miranda. "O indicador de volatilidade VIX está num dos menores patamares dos últimos anos [18%]. Essa volatilidade conjuntural está dentro do esperado. Só teremos problemas se houver uma ruptura causada por eventos maiores, que não estão no radar."

Esse processo pode ser acelerado caso haja de fato um anúncio do Federal Reserve, o banco central americano, de um novo programa de estímulo financeiro. A medida pode elevar ainda mais a liquidez mundial, diz Rodrigo Fittipaldi, diretor de mercado de capitais do BNP Paribas.

Segundo ele, as empresas brasileiras estão preparadas para lançar papéis assim que as condições se mostrarem mais favoráveis. Fittipaldi estima que das empresas que costumam ter contatos com investidores estrangeiros (cerca de 50 companhias), 75% delas estejam com tudo preparado. "Mais do que em outros anos, este foi um agosto em que o emissor se preocupou em deixar tudo preparado."

No caso das empresas com notas de risco mais elevada, é preciso aguardar um melhor momento, avalia Richard Dubbs, diretor da BB Securities. "É preciso observar ao longo do tempo se haverá espaço", diz Dubbs.