Título: Acordos estabelecem prazos para que empresas se enquadrem nas normas
Autor: Giardino, Andrea e Salgado, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 16/10/2006, Especial, p. A16

Encontrar mão-obra qualificada para cumprir as cotas de pessoas com deficiências previstas pela lei tem sido tarefa ingrata para muitas empresas. Cientes dessa dificuldade, o Ministério Público do Trabalho (MPT) e unidades da Delegacia Regional do Trabalho (DRT), estão fechando acordos para que, em determinado prazo, consigam se adequar à legislação.

No caso do MPT, são os chamados Termos de Ajustamento de Conduta (TACs). Cada caso é analisado em detalhe e, quando a empresa mostra intenção real de contratar pessoas com deficiências, o prazo pode chegar a dois anos.

A cada seis meses, as empresas precisam mostrar se houve demissão ou contratação de pessoas com deficiências, e se alguns estão sendo qualificados (caso isso tenha sido acordado). No momento, existem 370 acordos em andamento. É o caso do laboratório Aché, que tem até 2007 para se enquadrar na lei e se comprometeu a treinar funcionários contratados. A empresa possui 2.727 l funcionários e precisaria ter 137 empregados com deficiências. Hoje, 55% da cota já foi cumprida.

De acordo com Márcia Tedesco, gerente de comunicação e responsabilidade social da Aché, em 2000 as pessoas com deficiências eram contratadas apenas para a função de mensageiro, responsável pelo registro e controle de documentos expedidos internamente. A partir de projeto desenvolvido pelo RH em conjunto com a área de remuneração e benefícios este ano, foram definidas novas oportunidades em várias divisões da empresa.

Há gente atuando na área administrativa e no restaurante. Na produção e nas áreas de manutenção e mecânica, a Aché possui pessoas com deficiência auditiva. Na parte operacional, há pessoas com problemas físicos e mentais. A Aché não contrata cadeirantes, porque, apesar dos elevadores e rampas, o prédio não tem 100% de acessibilidade para eles. Por outro lado, a empresa adquiriu softwares de voz para funcionários cegos ou com deficiência auditiva.

O ABN Amro, por sua vez, não aderiu ao TAC, mas mantém o ministério informado de suas ações. Segundo Maria Cristina Carvalho, superintendente de RH da área de diversidade e inclusão, o banco não quer fechar o acordo só para cumprir a lei. A contratação de pessoas com deficiências faz parte de uma política de inclusão, criada em 2000, que valoriza a diversidade e a responsabilidade social.

"A contratação de pessoas com deficiências não deve ser uma obrigação", diz Maria Cristina. "Precisamos de uma política forte que mobilize as pessoas internamente, inclusive os gestores." Para ela, o importante é preparar não só quem está chegando, como também os funcionários.

Com 29 mil funcionários, o ABN Amro precisa ter 1.450 pessoas com deficiências no quadro para cumprir a lei. Atualmente conta com 1.100. Uma enorme evolução em comparação a 2002, quando eram apenas 43. Condenado pela Justiça do Trabalho a pagar indenização de R$ 800 mil, em 2003, pelo não-cumprimento das cotas, o banco remodelou seu programa de diversidade passando pela reestruturação do espaço físico, com rampas próprias para o trânsito de cadeirantes, banheiros adaptados e elevadores com sistemas sonoros para identificação doa andares.

Além disso, o ABN Amro vem investindo na formação dos profissionais contratados. Uma parceria com a Carpe Diem, organização não-governamental que atua em projetos ligados à deficiência, permitiu ao banco contratar quatro portadores da síndrome de Down. "Estamos preparando nossos gestores para recebê-los", afirma Maria Cristina. "Agora temos gente em várias áreas, tanto nas agências quanto na superintendência."

Mesmo antes da lei de cotas existir, a MWM International Motores contava com pessoas com deficiências em seus quadros. Seu projeto de responsabilidade social foi criado em 1988, apoiando entidades que preparam deficientes para o trabalho, como o Instituto Pestalozzi, no Rio Grande do Sul, onde a empresa possui unidade fabril, e a Apae, em São Paulo.

Com um total de 2,5 mil funcionários - divididos entre São Paulo, Canoas (RS) e Córdoba, na Argentina -, a companhia está acima da cota exigida. Uma raridade no mercado. Na fábrica de São Paulo, há 78 pessoas com deficiências, quando pela legislação deveria ter 75. Em Canoas, são 33 , sete a mais do que seria obrigada.

Segundo Paulo Borba, diretor de RH da MWM, em Canoas criou-se o projeto "Programa Embalando para o Futuro", em conjunto com o Pestalozzi, voltado para a formação de pessoas com deficiências mentais. "Ajudamos a prepará-los para depois virem trabalhar conosco", diz. Foram montadas réplicas de oficinas no instituto, reproduzindo atividades fabris da empresa. Lá, orientadores ensinam todo processo de trabalho.

Durante esse processo de aprendizagem, a companhia remunera cada um deles pela produção. "Simulamos as mesmas condições de trabalho dos outros", explica Borba. A experiência tem dado tão certo que a aliança entre a instituição e a MWM foi ampliada. Hoje, o programa de capacitação também atende outras empresas que precisam cumprir a lei de cotas.

Em São Paulo, o mesmo tipo de trabalho vem sendo adotado, embora não se restrinja a pessoas com problemas mentais. Na capital paulista, a empresa possui acordo com a Apae. Nesse caso, quem forma as pessoas com deficiência é a própria instituição. "Nós preparamos a empresa para recebê-los", afirma Borba.

Segundo ele, o índice de qualidade do trabalho das pessoas com deficiência na MWM beira os 100%. "Em trabalhos repetitivos, como o nosso, todos se saem muito bem", diz. (AG e RS)