Título: Legislação aquece mercado para deficiente
Autor: Giardino, Andrea e Salgado, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 16/10/2006, Especial, p. A16

Alexandre Domingos Passacantili, 36 anos, vive hoje um dos melhores momentos de sua carreira. Foi recrutado por uma headhunter para ser analista financeiro na Claro e ganhar um salário 40% superior ao que recebia no emprego anterior, incluindo os benefícios. O sonho de muitos brasileiros. Formado em contabilidade, com 20 anos de atuação na área, Alexandre usa prótese em uma das pernas. Ele é um exemplo de profissional que está sendo bastante disputado no mercado por companhias que precisam se adequar à lei 8.213, que obriga empresas com mais de cem funcionários a ter em seu quadro pelo menos 2% de pessoas com alguma deficiência.

Encontrar outros profissionais com a experiência de Alexandre é quase como procurar uma agulha no palheiro. Dados do Censo 2000, o último realizado no país, mostram que 78,7% das pessoas com deficiências têm, no máximo, sete anos de estudo, o que significa que não completaram o ensino fundamental. Apenas 1,6% conseguiram ir além do ensino médio.

Para preencher as cotas e não serem pegas pela fiscalização do governo, que já passou por 8,5 mil empresas, muitas companhias estão saindo "à caça" dos mais preparados. De 2001 até este ano, 55.321 pessoas com deficiências foram contratados em razão de uma ação fiscal. Em todo o país, as multas e indenizações aplicadas ultrapassam R$ 1 milhão.

Cumprir a lei, onde companhias com mais de mil funcionários precisam ter 5% de pessoas com necessidades especiais, não está sendo tarefa fácil para as empresas. "Os departamentos de recursos humanos não se prepararam a tempo para essa exigência", diz Jorgete Leite Lemos, vice-presidente de responsabilidade social da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH). "Não adianta buscar mão-de-obra diferenciada, porque esse segmento ficou à margem por muito tempo. Tem que incluir e qualificar. Essa defasagem não será resolvida no curto prazo."

Mais da metade da população com alguma deficiência, seja física, auditiva, visual ou mental, é inativa no Brasil. Apenas 10,4% trabalham com carteira assinada. A maior parte, 11,2%, atua por conta própria, segundo dados do Censo. "Alguns chegam a se desinteressar pelo trabalho com carteira assinada, porque se o aceitam perdem o benefício previdenciário, mesmo se forem demitidos depois", diz Marcelo de Lucca, diretor da consultoria de recrutamento de executivos Michael Page.

Durante um ano, a Michael Page construiu um banco de dados com 2 mil profissionais com deficiências para oferecer para 200 empresas clientes. Acabou desistindo, porque quando encontrava pessoas com o perfil desejado, muitas companhias não tinham a infra-estrutura adequada para recebê-los. Do outro lado, muitos candidatos nem compareciam às entrevistas de emprego. "Foi uma experiência frustrante", diz Lucca.

Apesar da demanda estar aquecida, a falta de qualificação ainda é o que mais preocupa os recrutadores. A empresa de recrutamento Gelre criou em 2000 uma divisão específica para encontrar pessoas com deficiências. "A procura aumentou 80% desde que começamos, mas o maior problema é o nível de exigência das empresas", diz Maria de Fátima e Silva, gerente da divisão de responsabilidade social. "É difícil encontrar profissionais que chegaram até a universidade."

O outro lado da moeda é que as pessoas com deficiências mais qualificadas hoje estão cientes de sua valorização no mercado de trabalho. "O grande desafio paras as companhias não está apenas em atrair, mas reter os talentos", diz Maria de Fátima. "Quem só pensa em cumprir cotas precisa rever sua estratégia se não quiser perder o profissional. É preciso mostrar a vantagem de estar na empresa, apresentar um plano de carreira.".

Alexandre Passacantili foi localizado pela headhunter para mudar de trabalho, mas já estava atento às oportunidades do mercado quando isso aconteceu. "Acompanhava os anúncios em jornais e na internet", diz. "Estava me sentindo estagnado na empresa e sabia que o mercado estava bastante favorável para pessoas como eu."

Ariane Israel, headhunter da Case Consulting, conta que ao publicar um anúncio para preencher oito vagas em uma grande empresa este ano, nos setores de atendimento ao cliente, financeiro, sistemas e marketing, recebeu mais de mil currículos. "Apenas cinco deles tinham o perfil certo", lembra. Para áreas mais técnicas, como administrativa, financeira e contábil, é mais fácil encontrar candidatos. "Uma vaga dessas é preenchida em 14 dias normalmente, mas no caso de pessoas com deficiências o processo pode durar mais de três meses", explica Ariane.

A escassez de mão-de-obra com necessidades especiais está ajudando a inflacionar a remuneração desejada por esses profissionais. "Muitos estão exigindo salários cerca de 30% acima do que seria pago normalmente para a função", diz Régis Franco, gerente de integração do grupo Soma, consultoria de recursos humanos, que se especializou no recrutamento e seleção de pessoas com deficiências. Ele diz que muitas empresas têm concordado em pagar mais para fechar o contrato e cumprir a legislação. No setor de call center, onde a média salarial gira em torno de R$ 580,00, segundo Franco, pessoas com deficiências não aceitam trabalhar por menos de R$ 800,00.

A Gelre este mês está recrutando 500 pessoas com deficiências para preencher vagas de operadores de telemarketing, digitadores, auxiliares de escritório, entre outras. Os salários variam entre R$ 634 e R$ 1,2 mil. São oferecidos benefícios, como vale alimentação, assistência médica e odontológica. "É preciso o segundo grau completo ou estar cursando uma faculdade. Não é preciso experiência, mas fluência verbal e habilidade no relacionamento com o público", explica a gerente da empresa.

A questão é que mesmo quando os candidatos aparecem com o perfil ideal, muitas vezes não chegam a ser contratados porque a empresa não tem condições de absorvê-los. Faltam rampas, baias e banheiros adaptados, equipamentos tecnológicos. "O problema se agrava principalmente se eles andam em cadeiras de rodas ou possuem deficiência visual", diz. "Isso restringe ainda mais nossa busca."