Título: Apressado come cru
Autor: Rothenburg, Denise
Fonte: Correio Braziliense, 15/11/2010, Política, p. 4

Nas entrelinhas

Antes mesmo de Dilma dizer que Guido Mantega será seu ministro da Fazenda e Antonio Palocci, chefe da Casa Civil, o DEM negocia a fusão com o PMDB. Não tem como dar certo

Bem faz o ex-governador de Minas Gerais Aécio Neves. Está quieto. Na muda. Apenas observa. Especialista em verificar os espaços de passagem na política, mesmo diante de uma mata fechada como a desta etapa da transição, ele espera o melhor momento para atravessar.

Aécio sabe que pode vir a ser o principal protagonista da oposição ao governo Dilma. Até porque secretários estaduais e governadores não terão disponibilidade e nem liberdade de ação para assumir esse papel. Ele, como senador, terá todas as condições. E espera pacientemente o momento.

A ação de Aécio difere completamente daquela adotada pelo Democratas, partido que só deu com os burros n¿água desde que assumiu a oposição. Há oito anos, quando Lula tomou posse, escrevi que o então PFL teria problemas na oposição porque seus principais líderes não tinham sequer carteira de motorista. Afinal, passaram a vida andando de carro oficial. Nunca haviam dirigido o próprio carro.

A história desses oito anos mostrou que a imagem estava correta. De lá para cá, o PFL virou DEM , passou seu controle à ala mais jovem na esperança de ganhar fôlego, mas ainda assim mal saiu do lugar. A ala jovem, embora cheia de vontade, também não conseguiu impor um forte ritmo de oposição ao governo Lula. E ainda passou pelo desgosto de ver o único governador eleito em 2006, José Roberto Arruda, cair acusado de corrupção, com direito a uma temporada no xilindró. Foi a pá de cal.

Agora, passadas as eleições, uma ala do partido nem esperou baixar a poeira. Antes mesmo de Dilma dizer que Guido Mantega será seu ministro da Fazenda e Antonio Palocci, chefe da Casa Civil, o DEM está lá, negociando a fusão com o PMDB. Como dizia o finado Luís Eduardo Magalhães, que tanta falta faz ao seu partido: ¿Isso não tem o menor perigo de dar certo¿.

A precipitação matou o projeto de fusão. Não se faz uma fusão partidária sem ensaios de regras de convivência. Assim como não se faz casamento hoje em dia sem saber se as partes se entendem em vários campos. Afinal, o DEM não é apenas Gilberto Kassab, ou Jorge Bornhausen. Embora os dois governadores eleitos ¿ Rosalba Ciarlini (RN) e Raimundo Colombo (SC) ¿ tenham recebido apoio do PMDB, é preciso ter em mente que o DEM fez todo um discurso de oposição.

E, para completar, 45% dos eleitores não votaram na presidente Dilma. Essa parcela da população ainda espera ser representada na fiscalização dos atos governamentais pelos oposicionistas vencedores. Se fosse para aderir ao governo, teriam votado logo em Dilma e em seus aliados. Portanto, quem sobreviveu se apresentando como oposição que exerça o seu papel.

Ocorre que nem todos que se elegeram com roupagem oposicionista têm vocação para tal. Deveriam, então, ter tido coragem de aderir antes da eleição, nem que fosse para passar um período sem mandato. Entrar na base agora é casuísmo. Se quiserem extinguir o DEM, que o façam. Afinal, a esta altura do campeonato, com seus próprios líderes rejeitando a legenda e correndo atrás de um lugar ao sol do poderoso PMDB, não restará muita coisa mesmo.

E, do DEM, quem é oposição, se prepara hoje para acompanhar os movimentos de Aécio. E não será agora, nesse primeiro momento, que o tucano de Minas Gerais sairá completamente da toca. Afinal, como me disse outro dia um dos mais brilhantes políticos da nova geração, até a eleição municipal é hora de o governo evoluir na avenida e de a oposição começar o seu jogo e observar. É ali que começa 2014. Não pode ser nem antes e nem depois. Afinal, como dissemos no início deste artigo, apressado come cru. E quem deixa passar do ponto, come carne ressacada, queimada. E quem entende de política sabe que, nos dois casos, a insatisfação é certa.