Título: Wall Street e Fed divergem sobre a necessidade de mexer nos juros
Autor: BusinessWeek
Fonte: Valor Econômico, 05/01/2007, Finanças, p. C2

Wall Street e o Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) parecem ter visões muito diferentes sobre a economia em 2007. As autoridades monetárias do Fed continuam a enviar alertas sobre a inflação e a possibilidade de mais aumentos nas taxas de juros. Os participantes do mercado não os ouvem. Não mostram preocupação com aumentos nos preços e acreditam que o Fed começará a reduzir os juros em algum momento nos próximos meses.

Enquanto isso, os investidores confortavelmente aproveitam a tendência de alta das ações e bônus, iniciada no verão americano passado (terceiro trimestre). Será que Wall Street entendeu direito o recado?

Até agora, as chances parecem boas, mas tanto os investidores como a economia dos Estados Unidos têm muito em jogo nessa aposta. Se a inflação não for tão moderada como o mercado espera e o Fed retomar a alta dos juros, os rendimentos dos bônus e as taxas de longo prazo de hipotecas e empréstimos corporativos a eles associadas também subirão. O aumento no custo dos empréstimos pioraria a desaceleração no setor de construção residencial e minaria o crescimento das empresas.

Além disso, qualquer recuo do mercado diminuiria ainda mais o patrimônio líquido familiar em um momento no qual são justamente os ganhos das ações que vêm servindo para amortecer o declínio no valor das residências, que serve de suporte para a riqueza e os gastos dos consumidores. Tudo isso alça a questão da inflação ao centro do panorama deste ano, justamente quando as perspectivas sobre os preços estão particularmente incertas. A forte concorrência global continua um enorme limitador da inflação nos Estados Unidos, mas os novos declínios do dólar provavelmente exercerão alguma pressão de alta nos preços das importações. Os preços do petróleo e demais fontes de energia voltaram a subir aos poucos, mas sua direção futura ainda está pouco clara.

Outro fator de incerteza é que os economistas, tanto dentro como fora do Fed, não sabem ao certo o quanto a economia pode crescer sem alimentar a inflação. Os ganhos de produtividade, que ajudaram a controlar os preços nos últimos anos, diminuíram fortemente e a melhora na eficiência não é mais suficiente para compensar o aumento nos custos trabalhistas, o que também poderia provocar elevação da inflação. Então, será que a perspectiva inflacionária é realmente mais preocupante do que as recentes tendências do mercado sugerem ou o Fed simplesmente está vendo fumaça demais, para tentar proteger sua credibilidade de combate à inflação?

Os últimos números sobre índices de preços e crescimento da economia corroboram a visão de Wall Street. No entanto, embora haja crescentes evidências de que não serão necessários novos aumentos nos juros, há poucos sinais de que a economia desacelerou-se o suficiente para garantir cortes nas taxas.

Os dois principais termômetros de preços ao consumidor mostraram uma mudança para melhor em novembro, depois de exibirem tendências de alta durante a maior parte de 2006. O Índice de Preços ao Consumidor (IPC) e o índice de preços de despesas pessoais (PCE, na sigla em inglês), o indicador favorito do Fed, não mostraram elevação em relação a outubro. O que mais chamou a atenção dos mercados, no entanto, foi a estabilidade em novembro dos núcleos desses indicadores. Como excluem os preços mais voláteis, dos alimentos e das fontes de energia, tendem a ser observados mais de perto pelo Fed. A tendência anual dos núcleos dos dois indicadores aponta inclinação para baixo.

A inflação anual do núcleo do IPC parece ter atingido seu pico em setembro, de 2,9%, e desde então caiu para 2,6% em novembro. A suavidade dos preços vista de outubro para novembro foi generalizada, mas os declínios verificados em commodities, saúde e carros usados não deverão ser repetidos. Talvez, ainda mais significativo, seja o núcleo do índice de preços de serviços, que representa mais de 70% do núcleo do IPC. Recuou do pico de 3,9% verificado em setembro para 3,7% em novembro. A queda é significativa, levando-se em conta que os preços dos serviços têm um maior componente de custos com a mão-de-obra e são mais sensíveis às condições domésticas e menos à concorrência global.

O declínio do núcleo do IPC também é surpreendente porque chega em um momento em que os aluguéis e o índice de preços de custos residenciais continuam em alta acelerada. Esse padrão teve o efeito negativo de elevar os custos residenciais no IPC, que representam uma grande parte do indicador. Nos próximos meses, à medida que a demanda por residências se firmar, este componente do IPC começará a desacelerar-se, reduzindo a pressão sobre o indicador.

Especialmente encorajador para as perspectivas sobre a política do Fed e as taxas de juros é o comportamento recente do núcleo do PCE, o termômetro mais observado pelas autoridades monetárias. Em novembro, a inflação anual por este critério continuava acima do limite extra-oficial do Fed, de 2%, embora o pico possa já ter sido alcançado no verão de 2,4%.

Em novembro, a taxa caiu para 2,2%, o maior declínio de um mês para outro desde o primeiro semestre de 2003. O padrão nos últimos meses é ainda mais favorável. A média anual nos últimos seis meses é próxima ao limite de 2% e a dos últimos três meses é de 1,8%. As perspectivas da inflação e de qualquer ação futura do Fed serão resultado da fraqueza ou da força da economia.

Com a recente mudança favorável nos índices de preços, a desaceleração econômica iniciada no segundo trimestre parece estar criando espaço suficiente para conter a pressão sobre os preços.

O crescimento da economia caiu para uma taxa anual revisada de 2% no terceiro trimestre, depois do modesto avanço de 2,6% registrado no segundo. A desaceleração no mercado de construção residencial e a diminuição das encomendas e da produção, necessária para reduzir o excesso nos estoques das empresas, estão contendo a expansão da economia.

Promoções e descontos ajudarão a reduzir esses estoques, em meio à menor atividade nas fábricas. As encomendas de bens duráveis por parte das empresas registraram fortes quedas nos últimos meses e, excluindo os altos e baixos do volátil setor de transportes, os pedidos devem cair pela primeira vez em três anos e meio. A produção industrial segue o mesmo caminho.

A economia, contudo, está longe de mostrar fraqueza. Observemos os números do governo sobre os gastos dos consumidores. Os gastos, ajustados pela inflação, apresentaram alta de 0,5% tanto em outubro como em novembro. Fora os maiores aumentos consecutivos desde meados de 2005. Mesmo se dezembro mostrar estabilidade em relação a novembro, os gastos ainda terão crescido a uma taxa anual de 4% em relação ao terceiro trimestre, depois do avanço de apenas 2,8% no terceiro. A recuperação será suficiente para dar uma contribuição significativa no crescimento total e para ajudar a esvaziar parte dos estoques das empresas.

No setor de construção residencial, embora o recuo continue em andamento, as notícias do lado da demanda começam a soar melhor. As vendas de residências novas para uma única família cresceram em novembro, reduzindo o volume não vendido para durar suficiente para 6,3 meses, o quarto declínio consecutivo. Em dezembro, as expectativas das construtoras sobre as vendas para os próximos seis meses continuaram em alta.

Tanto a inflação como o crescimento econômico encaminhados para este ano comportam-se bem ao estilo do que o Fed gostaria. Se essas tendências prosseguirem, o que parece provável, então os investidores têm uma boa chance de continuar alimentando os ganhos de 2006, sem medo de que o banco central estrague a festa.

(Tradução de Sabino Ahumada)