Título: Julgamento do mensalão definirá parâmetros da atuação de bancos
Autor: Magro, Maíra ; Basile, Juliano
Fonte: Valor Econômico, 03/09/2012, Política, p. A12

O julgamento da segunda "fatia" do mensalão, que trata da acusação de gestão fraudulenta contra a cúpula do Banco Rural, definirá parâmetros para a atuação das instituições financeiras e servirá de precedente para outros casos, como os dos bancos PanAmericano, Cruzeiro do Sul e Schahin, que também envolvem acusações de fraude.

A votação do item da denúncia contra o denominado "núcleo financeiro do mensalão" continua nesta tarde no Supremo Tribunal Federal (STF) com a parte final do voto do relator, ministro Joaquim Barbosa, que já sinalizou que pedirá condenações de réus ligados ao banco. Em seguida virá o voto do revisor, Ricardo Lewandowski, e dos demais ministros da Corte.

Os réus denunciados nesta etapa são a ex-presidente do Banco Rural Kátia Rabello, o ex-diretor José Roberto Salgado, a ex-vice-presidente Ayanna Tenório e o então diretor de controles internos Vinícius Samarane, atual vice-presidente do banco. A defesa alega que nenhum deles participou da concessão de empréstimos ao PT e às empresas de Marcos Valério em 2003: as operações, dizem os advogados do banco, foram feitas na gestão de José Augusto Dumont, já falecido.

Mas as irregularidades denunciadas pelo Ministério Público também incluem a falta de comunicação a autoridades financeiras sobre os saques feitos nas agências do banco e o risco real dos empréstimos, inclusive no momento das renovações. Ao analisar essas questões, o Supremo pontuará a extensão da responsabilidade das instituições financeiras e seus diretores na concessão de empréstimos, além do nível de cautela exigido nesses procedimentos. Outra definição será que tipo de operação é considerada suspeita e, portanto, sujeita à exigência de comunicação aos órgãos de controle.

"Será uma das primeiras decisões do plenário do Supremo a decidir o mérito da gestão fraudulenta, um entendimento importante para todos os bancos", diz o advogado Pierpaolo Bottini, que defende o ex-deputado Professor Luizinho (PT-SP) no mensalão. Para ele, a decisão servirá de precedente para casos como o dos bancos PanAmericano e Schahin, que também envolvem acusações de gestão fraudulenta.

Para o advogado Luciano Feldens, que também atua no processo em defesa do publicitário Duda Mendonça, os ministros terão que analisar a distinção entre o descumprimento de normas regulamentares e a ocorrência de fraude geradora de risco, para caracterizar ou não o crime.

O julgamento deve fazer ainda uma distinção entre os crimes de gestão fraudulenta e gestão temerária, previstos na Lei de Crimes Financeiros (Lei nº 7.492). Na gestão temerária, os contratos são válidos, mas as garantias para seu cumprimento são consideradas frágeis, o que reduz a possibilidade de pagamento dos empréstimos. Na gestão fraudulenta, o entendimento é o de que o contrato envolveu algum tipo de farsa.

A defesa do Rural diz que as acusações configurariam no máximo gestão temerária, enquanto o Ministério Público sustenta que houve gestão fraudulenta. No caso do mensalão, uma eventual condenação por gestão temerária poderia levar a penas mínimas, já prescritas. Já as punições por gestão fraudulenta são mais altas e não prescreveram ainda.

Na primeira parte de seu voto, Joaquim Barbosa concluiu que o Rural concedeu empréstimos fictícios ao PT. Ou seja, encaminha seu voto para a conclusão de que houve gestão fraudulenta.

Se o STF seguir esse entendimento, os bancos terão que ficar mais atentos com a concessão de empréstimos, principalmente a partidos e a empresas ligadas a políticos. Todas as instituições financeiras terão que reforçar a área de concessão de créditos e exigir garantias maiores dos tomadores, fazendo pesquisas mais apuradas sobre essas garantias para evitar que sejam responsabilizadas depois.

Segundo o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, o Rural concedeu empréstimos fictícios ao PT e às empresas de Marcos Valério para, em contrapartida, obter vantagens do governo na liquidação do Banco Mercantil de Pernambuco, um negócio que ele estimou em R$ 1 bilhão.

A defesa afirma que os empréstimos foram verdadeiros e totalizaram R$ 32 milhões. Alega ainda que o partido quitou a sua parte e que as empresas só não teriam quitado porque foram à ruína com a eclosão do escândalo do mensalão. O banco acrescenta que somente em março de 2012 é que se levantou o valor do Mercantil, tendo recebido R$ 96 milhões "estritamente por sua participação acionária".

Além de definir critérios de atuação para os bancos, esta etapa do julgamento poderá dar margem à eventual condenação de réus políticos que assinaram os empréstimos do Rural: o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares e o ex-presidente do partido José Genoino.