Título: Processo longo e sigiloso
Autor: Sassine, Vinicius
Fonte: Correio Braziliense, 15/11/2010, Brasil, p. 6

Procuradores apontam que a restrição à participação social nos debates sobre a inclusão de remédios para doenças de alta complexidade no SUS traz morosidade às decisões

As decisões confidenciais sobre a inclusão de medicamentos excepcionais nas listas do Sistema Único de Saúde (SUS) impedem que as escolhas sejam feitas com transparência e participação social. Os processos tramitam lentamente no Comitê de Incorporação de Tecnologia (Citec), do Ministério da Saúde. Faltam regras e critérios mais claros para a inclusão dos novos fármacos no SUS. Essas são as conclusões do grupo de trabalho de saúde criado pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), da Procuradoria-Geral da República (PGR), que acompanha as dificuldades da União em ampliar a assistência farmacêutica gratuita no país.

Ainda de acordo com o grupo de trabalho de saúde, o ministério negocia transferência de tecnologia de medicamentos sem registro, mas deixa de incluir remédios que já foram registrados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). ¿Não há clareza sobre critérios de custo-efetividade ou sobre qual a necessidade de comprovação da eficácia.¿

O Ministério da Saúde também deixa de acompanhar a aplicação dos recursos destinados à assistência farmacêutica, conforme os procuradores da PFDC. ¿O dinheiro é da União e cabe ao ministério garantir sua correta aplicação, exigindo a contrapartida de recursos e o efetivo fornecimento do medicamento.¿

Uma nota técnica do Ministério da Saúde, elaborada em julho do ano passado para responder a questionamentos da PFDC, estabeleceu prazos para a conclusão da revisão da lista de medicamentos excepcionais. Até março deste ano, conforme a nota técnica, os protocolos com as diretrizes terapêuticas estariam ¿definitivamente¿ publicados.

Desde 2009, segundo o Ministério da Saúde, 40 protocolos foram revisados ou elaborados, equivalentes a 62 doenças. Esses documentos passam a conter novos medicamentos para o tratamento das enfermidades. Dezenas de novos remédios ainda estão em análise.

Depoimento Tensão constante

Quando o Matheus tinha um mês de vida, um furinho de agulha de uma vacina na perna provocou um grande hematoma. Ele precisou ser internado numa UTI. Com quatro meses, na segunda dose da vacina, ocorreu o mesmo sintoma. Foi aí que se diagnosticou que o Matheus tem hemofilia tipo A severa, uma doença que impede a coagulação do sangue.

Fui em busca de tratamento profilático. Como a Constituição proíbe a comercialização de medicamentos derivados de sangue, só o governo pode fornecer a medicação. A falta do remédio pode levar a deficiências físicas ou à morte. Como estava havendo a quebra no fornecimento, procurei o Ministério Público. Em 2006, surgiu uma medicação que não é derivada de sangue, que tem o mesmo efeito e que ainda oferece proteção contra vírus. Mas não está na lista do SUS.

Fui ao MP novamente, que solicitou que o medicamento entrasse na lista. Já houve decisão favorável. Nunca houve um ano completo sem desabastecimento. Isso é mais do que uma angústia. O Matheus pode ter um sangramento e morrer dormindo, sem eu ter medicamento nem para uma emergência. Meu filho tem uma rotina normal. Ele só sente que é hemofílico quando há desabastecimento. Aí, a gente tem de limitar o futebol.

Roberta Gomes de Lucena, 40 anos, é técnica judiciária e mora no Gama.

Inclusão gradual O Ministério da Saúde gasta 12,5% de seu orçamento para custear a oferta gratuita de medicamentos. Foram R$ 6,4 bilhões no ano passado, valor 3,3 vezes maior do que o gasto em 2003, segundo nota da assessoria de imprensa do ministério ao Correio. A pasta sustenta que o aumento dos investimentos no custeio dos medicamentos, a atualização de protocolos clínicos, o aprimoramento da legislação e uma parceria com o Judiciário melhoraram a oferta de remédios de alto custo, ainda que existam medicamentos fora das relações oficias do Sistema Único de Saúde (SUS).

¿A incorporação de tecnologias e de medicamentos no SUS é feita a partir da análise da eficácia, efetividade e custo-benefício¿, afirma o ministério.

Diante da grande quantidade de ações na Justiça, o Ministério da Saúde firmou uma parceria com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para diminuir ¿novos conflitos na área de saúde¿, principalmente no que diz respeito ao fornecimento de medicamentos na rede pública. Fazem parte da Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (Rename) 343 medicamentos. Essa relação é atualizada a cada dois anos e, a partir da definição da lista, o Ministério da Saúde repassa recursos para os estados comprarem os medicamentos básicos.

A lista dos medicamentos de alto custo relaciona mais 147 fármacos, indicados para o tratamento de 79 doenças. ¿Houve a inclusão de 16 medicamentos para o tratamento de hipertensão arterial pulmonar, dor nas articulações e doença sanguínea¿, diz o ministério.