Título: STF condena 5 por peculato e corrupção
Autor: Basile, Juliano; Magro, Maíra
Fonte: Valor Econômico, 30/08/2012, Política, p. A6

Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) chegaram ontem a um placar de oito votos a dois contra o deputado João Paulo Cunha (PT-SP) por crimes de corrupção passiva e peculato e a dez votos pela punição do ex-diretor de marketing do Banco do Brasil Henrique Pizzolato e dos publicitários Marcos Valério, Cristiano Paz e Ramon Hollerbach pelos mesmos crimes.

Os cinco réus vão ser punidos por corrupção e peculato, pois a maioria dos ministros concluiu que houve desvios de dinheiro público no BB e na Câmara dos Deputados. A expectativa, a partir desse resultado, é a de que outros envolvidos no esquema sejam condenados, inclusive os do núcleo político. Já Luiz Gushiken, ex-ministro de Comunicação Social, foi absolvido por falta de provas.

O único ministro que ainda não votou no primeiro item do julgamento é o presidente da Corte, Carlos Ayres Britto. Ele vai se manifestar hoje e seu voto é esperado, pois poderá definir se a Corte também condenará João Paulo por lavagem de dinheiro. Nesse ponto, o placar está em cinco votos a quatro pela condenação e, caso seja confirmada, a punição ao deputado será ampliada, podendo chegar ao regime fechado de prisão. Após o voto de Britto, o STF vai começar a julgar o segundo item da denúncia, que envolve a acusação de gestão fraudulenta dos bancos que fizeram empréstimos às agências de Valério e ao PT. Os dois votos vencidos, no caso de João Paulo, foram o do revisor, Ricardo Lewandowski, e de José Dias Toffoli.

O tribunal ainda não definiu a pena para cada um desses cinco réus. O STF deixou o cálculo das penas para o fim do julgamento, que está sem data para ser concluído, mas a tendência, a partir dos votos proferidos ontem, e em especial do voto do ministro Cezar Peluso - único a tratar do assunto -, é a de que eles não escapem da pena de prisão.

Peluso deu um voto demolidor contra João Paulo, fixando pena de seis anos de prisão para o ex-presidente da Câmara, além de 16 anos para Valério, 10 anos e 8 meses para Paz e Hollerbach e 8 anos e 4 meses para Pizzolato. O ministro desmontou a tese de que os R$ 50 mil recebidos pelo deputado, em setembro de 2003, foram verba de campanha, utilizada em pesquisas em Osasco, seu reduto eleitoral. "A meu ver a alegação é absolutamente inverossímil", disse Peluso. "Primeiro, ele mentiu sobre o recebimento. Se fosse dinheiro do partido, bastava explicá-lo. Por que dizer que a sua mulher teria ido ao banco para pagar fatura de TV?" Em seguida, Peluso mostrou que o dinheiro foi recebido em setembro de 2003 e a verba de campanha só foi utilizada em 2004. "Se fosse em janeiro de 2004 eu até tenderia a acreditar que a versão era verdadeira, mas em 2003? Ainda que por hipótese fosse dinheiro de campanha para o PT, o procedimento clandestino não se justificaria."

Peluso questionou o fato de o dinheiro ter sido retirado fora das dependências do Congresso. "No Congresso, há mais de três agencias do BB, outras da Caixa Econômica, fora as dos anexos. Por que o dinheiro não foi encaminhado a umas das agências bancárias da própria Câmara? Por que mandou a mulher ao invés dos assessores? A minha explicação é que o denunciado mandou a mulher porque não queria que os seus assessores soubessem." Outros parlamentares estão em situação semelhante, pois receberam dinheiro das agências de Marcos Valério em condições parecidas - no mesmo banco, o Rural, e com a mesma justificativa de que o dinheiro foi utilizado para campanha.

A proximidade entre João Paulo e Valério também foi levada em conta por Peluso e, nesse ponto, a expectativa é a de votos contrários para os demais réus. Como há depoimentos que comprovam reuniões e encontros do publicitário com políticos, como Dirceu, a tendência é a de eles serem considerados durante a continuidade do julgamento. "No âmbito do processo penal a prova testemunhal tem significativo valor", disse o ministro Gilmar Mendes.

Além dos R$ 50 mil, Valério presenteou João Paulo com uma caneta Montblanc e pagou passagens aéreas para sua secretária. "O que há por trás dessa aproximação e gentilezas?", perguntou Peluso. "O interesse de Valério com a contratação me parece uma coisa evidentíssima. Não se tratava de uma cortesia, de um ato de elegância para com o presidente da Câmara, mas de ato com interesse econômico bem estabelecido", continuou. O interesse seria o de a agência SMP&B, de Valério, ganhar licitação na Câmara. "A única explicação possível é de ser uma vantagem indevida que pudesse favorecer a SMP&B numa licitação, na qual acabou sendo vencedora, não obstante dois anos antes tivesse sido desclassificada por não cumprir requisitos mínimos", disse.

Para completar, o ministro entendeu que, mesmo que não houvesse favorecimento na contratação da agência, a corrupção estaria configurada. "O delito está em por em risco o prestígio, a honorabilidade e a seriedade da função, coisa que, no caso, era gravíssima, pois se tratava da função da presidência de uma das mais altas Casas do Legislativo brasileiro. Ele não poderia, sem cometer o crime de corrupção, ter aceitado o dinheiro dos sócios da empresa que concorria para a licitação."

Nesse ponto, Peluso deixou claro que o fato de o réu ocupar cargo político de destaque deve ser considerado como agravante na imposição das penas. Outros ministros seguiram a mesma linha. O decano do STF, ministro Celso de Mello, foi duro ao criticar a corrupção na política. "Agentes públicos que se deixam corromper, qualquer que seja a sua posição na hierarquia do poder, e particulares que corrompem os servidores do Estado, quaisquer que sejam as vantagens prometidas ou até mesmo entregues, são corruptos e corruptores, os profanadores da República, os subversivos da ordem constitucional", disse o ministro. "São delinquentes, marginais."

Para Celso de Mello, é irrelevante a destinação dada ao dinheiro recebido como vantagem ou propina. As ministras Rosa Weber e Cármen Lúcia já haviam feito afirmações parecidas, o que dificulta ainda mais a situação dos réus, pois indica que a tese de que as verbas foram usadas para campanha enfrenta resistência na Corte.

Ao julgar os desvios de dinheiro no BB, os ministros também foram extremamente críticos com os réus. "Ficamos perplexos", sublinhou Gilmar Mendes. "O que fizeram com o Banco do Brasil?", questionou. "Tira-se R$ 73 milhões dessa instituição sabendo que não era para prestar serviço algum. Como nós descemos na escala das degradações. É realmente um fato extremamente grave e que faz com que nós nos tornemos reflexivos", afirmou. Peluso chegou a ironizar a alegação da defesa de Pizzolato de que o dinheiro desviado do fundo Visanet à DNA Propaganda, de Valério, seria privado por se tratar de verba publicitária formada a partir de pagamentos feitos pelos usuários de cartões de crédito. "Seria como dizer que, se eu comprar uma mercadoria, o dinheiro que o vendedor recebeu continua sendo meu", disse Peluso. "O dinheiro [da Visanet] é dos titulares das bandeiras [de cartões]. O BB tem 32,2% do fundo. Foi desse fundo de dinheiro público que saíram as antecipações de crédito que constituíram as acusações de peculato."

Ao fim do voto, Peluso falou sobre o sentimento de um magistrado ao condenar alguém. "Esse não é apenas o último voto que eu dou nessa casa que tive a grande honra de servir por quase dez anos. Nenhum juiz condena ninguém por ódio. Nada mais constrange um magistrado do que condenar um réu em matéria penal", afirmou. "O magistrado condena por uma exigência de Justiça e porque reverencia à lei. E é por amor e respeito aos próprios réus. Uma vez cumprida a pena, que se reconciliem com a sociedade. É com esse sentimento amargo que cumpro o meu dever", concluiu o ministro ao despedir-se da Corte. Ele decidiu não antecipar voto sobre os demais itens da denúncia e foi aplaudido - prática incomum na Corte, onde a plateia não é autorizada a se manifestar.

Marcio Thomaz Bastos, que advoga para José Roberto Salgado, ex-diretor do Banco Rural, aproveitou para elogiar Peluso. "Eu tive a honra de participar do processo de escolha de vossa excelência", disse Bastos. Em 2003, quando Peluso foi nomeado para o STF, ele era ministro da Justiça e intercedeu a favor de seu nome perante o então presidente Lula. O STF continua hoje a julgar o mensalão, agora os réus que foram diretores do Banco Rural, caso do cliente de Bastos.