Título: Os equívocos da Resolução nº 101 da Anatel
Autor: Barroso, Carlos
Fonte: Valor Econômico, 05/01/2007, Legislação, p. E2

É com pesar que se vê, até hoje, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) aplicando certos conceitos do Regulamento para Apuração de Controle e de Transferência de Controle nas Empresas Prestadoras de Serviços de Telecomunicações, aprovado pela Resolução nº 101, de 1999, que se mostram totalmente dissociados da lei e da realidade a qual tal norma busca focar.

Ao que se sabe, a edição de Resolução nº 101 foi motivada pela busca da prevenção e repressão das infrações da ordem econômica no setor de telefonia, na esteira da Lei Geral de Telecomunicações - a Lei nº 9.472, de 1997 - e do Plano Geral de Outorgas - o Decreto nº 2.534, de 1998 -, de cujas determinações podemos citar a vedação a uma mesma pessoa em participar do controle de duas concessionárias de telefonia fixa atuantes em regiões distintas estabelecidas no plano de outorgas.

O regulamento da Anatel traz definições de controlador e controle, as quais não estariam muito longe do correto. Todavia, o problema aparece quando tal norma estabelece quatro situações pelas quais uma pessoa é equiparada a controlador de sociedade, conforme estabelece o artigo 1º, parágrafo 1º, incisos I a IV do regulamento.

Dentre essas quatro situações, saltam aos olhos as que equiparam, à figura de controlador de sociedade, (1) a pessoa que, independentemente da quantidade ou do tipo de ações que tenha, eleja, no mínimo, um conselheiro de administração de uma companhia, segundo o artigo 1º, parágrafo 1º, inciso I), e (2) a pessoa que tenha algum direito de veto (estatutário ou contratual) sobre qualquer deliberação na companhia (artigo 1º, parágrafo 1º, inciso II).

A Lei das S.A. - a Lei nº 6.404, de 1976, lei ordinária federal, que regula as sociedades anônimas - dispõe em seu artigo 116 que controlador é quem agrega (isoladamente ou em grupo) as seguintes características: (1) titularidade de direitos que lhe assegurem de modo permanente a maioria dos votos nas deliberações assembleares; (2) eleição de maioria dos administradores; e (3) que exerce suas prerrogativas para dirigir as atividades sociais e o funcionamento dos órgãos da companhia.

Ora, ao equiparar à controlador a pessoa que pode eleger um conselheiro de administração ou ter veto sobre alguma deliberação social, vemos que a Anatel aumentou a definição de controle de uma companhia estabelecida pela Lei das S.A.

-------------------------------------------------------------------------------- Não se pode aceitar que a agência adote conceitos que não encontram guarita na legislação competente --------------------------------------------------------------------------------

Apesar de a Constituição Federal afirmar que somente o Congresso Nacional pode legislar sobre direito comercial, segundo seu artigo 22, inciso I, a Anatel, uma agência reguladora, emite norma que extrapola o conceito advindo de lei ordinária e a aplica a todos os casos em que se precise identificar quem são os controladores de uma sociedade do ramo de telecomunicações.

Além do equívoco jurídico, a posição da Anatel não mostra lógica prática. Por exemplo, as decisões do conselho de administração são tomadas por maioria, por isso a capacidade de eleger um único membro nesse colegiado não pode ensejar a acionista algum o status de controlador, pois, como tal órgão tem no mínimo três membros, não seria possível apenas um conselheiro pode fazer prevalecer sua posição de forma isolada.

O regulamento da Anatel gera também conclusões estranhas, como o caso do acionista que só tem ações preferenciais (sem direito a voto) mas que, pela quantidade detida, consiga (por disposição legal do artigo 141, parágrafo 4º, inciso II da Lei das S.A.) eleger um conselheiro de administração. Na visão da agência com base no regulamento, esse acionista (que não vota em praticamente deliberação alguma) será, mesmo assim, considerado controlador da sociedade, desde que consiga eleger um conselheiro.

Não satisfeito, o regulamento, em seu artigo 2º, parágrafo 2º, que que trata de coligação, "inovou" mais uma vez, ao expandir as regras do plano de outorgas sobre a definição de coligação entre sociedades, equívoco que gerou a ação movida pela Telespazio (à época Damos Sudaméria), cuja decisão ora se comenta.

O que mais impressiona é que a Anatel aplica comumente esses conceitos ilegais e injustos, tipificando como controladores acionistas que são, de fato e de direito, minoritários, e identificando situações de coligação que não existem.

Essa atitude, além de ilegal, é muitas vezes danosa aos investidores, apesar de não despertar a execução das medidas judiciais cabíveis pelos prejudicados, pois estes, freqüentemente, optam por não instaurar contencioso em face do órgão regulador.

Urge a necessidade de se revogar tais dispositivos, pois, sem prejuízo do nobre objetivo da Anatel como ente regulador, não se pode aceitar que agência de sua importância e visibilidade adote conceitos que não encontram guarita na legislação competente, desobedecendo a Constituição Federal, haja vista que, na administração pública, não há lugar para o brocardo: os fins justificam os meios.

Carlos Henrique Barroso é advogado do escritório Vieira, Rezende, Barbosa e Guerreiro Advogados

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