Título: Hora da seleção
Autor: Lima, Flavia ; Perez, Antonio
Fonte: Valor Econômico, 03/09/2012, Investimentos, p. D1

Em pouco mais de um ano, o investidor local foi lançado em um mundo novo e repleto de desafios. O conforto proporcionado pelos juros altos foi deixado para trás quando o Banco Central iniciou um ciclo de nove cortes na taxa básica de juros para o nível atual de 7,5%. E, nesse cenário, os especialistas passaram a repetir um só mantra: a necessidade de o investidor superar de vez o que chamam de "vício" no Ibovespa ou no CDI.

Os números provam que a seletividade hoje é mais do que nunca necessária - dentro de uma mesma classe de ativos os retornos se mantêm bastante díspares. A bolsa, por exemplo, fechou o segundo mês consecutivo no azul. O Ibovespa, principal índice desse mercado, subiu 1,72%. Dentro desse universo, no entanto, o IBrX 50, indicador que reúne as 50 ações mais líquidas da BM&FBovespa, ganhou apenas 0,12%. E o índice de small caps (que reúne empresas com baixa capitalização de mercado) se valorizou nada menos do que 7,95% - de longe a melhor performance do período. No segundo lugar, ficou o ouro, com alta de 4,67%.

Os fundos de renda fixa devem ter fechado agosto - segundo estimativas da Associação Nacional das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) - com ganhos de 1,22%, muito acima da variação de 0,69% do CDI. Nesse segmento, a percepção geral entre os especialistas é que ficou mais difícil ganhar dinheiro, pois não há grandes tendências. "Não dá mais para carregar posições, o jogo vai ser de estratégias rápidas, pontuais, uma alocação mais tática", afirma Felipe Tamega, economista-chefe do Banco Modal.

E essa visão - bem mais consolidada entre os investidores de bolsa, que há pelo menos três anos enfrentam a tarefa de garimpar ativos com bom potencial - deve começar a ser incorporada também pela renda fixa. A percepção é que os gordos ganhos alimentados pelo ciclo de cortes consecutivos do juro básico aos poucos também devem ficar para trás.

Diferentemente do visto nos últimos meses, os investidores não devem esperar rentabilidade elevada dos fundos renda fixa índices, que se beneficiaram da forte valorização das NTN-Bs, afirma Alexandre Espírito Santo, professor do Ibmec-RJ e economista-chefe da Way Investimentos. "Já não tem tanto para ganhar com esses papéis e o investidor não deve se iludir com os resultados passados, já que, a partir de agora, as oportunidades serão pontuais", diz.

Com a Selic em 7,5%, boa parte dos fundos DI e a própria caderneta de poupança - que em agosto ganhou um pouco mais de 0,5% - oferecem ao investidor um ganho real muito pequeno. Ainda assim, há quem olhe as alternativas ultraconservadoras. "O momento é de preservação de capital, logo o investidor deve considerar deixar a parte do seu portfólio não ligada a risco em fundos DI ou títulos pós-fixados", diz Alexandre Póvoa, presidente da Canepa Asset Brasil.

O tom é de cautela, mas as oportunidades existem - só precisam ser garimpadas. Na bolsa, a relevância ainda grande no Ibovespa de empresas de commodities, como Vale e Petrobras, e o bom desempenho de papéis menos óbvios, principalmente ligados à economia doméstica, explicam o abismo entre os indicadores.

A possibilidade de o Federal Reserve (Fed, banco central americano) adotar nova rodada de expansão monetária (Q3) pode até dar gás a ativos de risco e estimular o Ibovespa. Mas os investidores não devem se agarrar a isso, diz Espírito Santo, da Way. Para ele, é hora de garimpar entre setores mais ligados à economia doméstica, como saúde, educação e serviços. "Basta olhar para as "small caps" para ver que há como ganhar dinheiro na bolsa mesmo quando o Ibovespa está mal", afirma. "O que eu recomendo às pessoas é que montem carteiras de renda variável focadas no crescimento do Brasil e deixem de vez de pensar no curto prazo".

Póvoa, da Canepa, diz que comprar Ibovespa ao redor de 57 mil ou 58 mil pontos não lhe parece algo "tranquilo". "Ainda há muito para acontecer lá fora e é possível haver uma correção para baixo da bolsa na volta das férias no Hemisfério Norte", diz.

Ele acredita, porém, que o investidor disposto a enfrentar o risco deveria começar a comprar as ações ligadas ao setor de commodities - Vale, especialmente -, que parecem bastante descontadas. O executivo, contudo, vê com reservas os papéis da Petrobras.

Mudanças mesmo, só em relação à retomada da trajetória de alta da Selic. O que parecia ser uma certeza para boa parte dos analistas há poucos meses - que apostavam suas fichas em um aperto monetário em 2013 - hoje não é mais. Começa a se consolidar no mercado a aposta que, antes de voltar a subir os juros, o governo contaria com um amplo arsenal de medidas alternativas para conter a temida inflação. "A inflação teria que vir muito alta para que o BC voltasse a subir juros", diz o diretor de renda fixa da Queluz, Luiz Monteiro. "E, dado o cenário externo ruim, dá para dizer que a inflação não vai ser forte".

Para Tamega, do Modal, o governo tem armas na mão para tentar controlar os preços sem apelar para os juros, sobretudo com desonerações fiscais em alguns setores. "Vai se especular muito se o governo terá espaço para reduzir tributos para conter a inflação sem subir os juros", diz. "Pode ser que a arrecadação não cresça e não haja espaço para desonerar. Tudo isso vai estar na balança".

Em compasso de espera, a avaliação de analistas e gestores é que os ganhos tanto nos papéis prefixados quanto naqueles indexados à inflação estão nos vencimentos mais longos. "As NTN-Bs mais curtas já embutem uma inflação alta, ao redor de 5,2% ou 5,3%, mas os prefixados mais longos ainda têm gordura", diz Póvoa.