Título: Não há fim à vista para a elevação da taxa de juros
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 27/12/2004, Opinião, p. A8

O Banco Central vai persistir em sua política de elevar os juros até que a economia se desaqueça. A magnitude da desaceleração dependerá da dose de juros, que se esperava encerrada com alta de 0,5 ponto percentual determinada pelo Copom. A ata da última reunião, o que já se tornou rotina, traz mais pessimismo e a quase certeza de novos encarecimentos do custo do crédito. O BC não deixou dúvida sobre suas intenções. "No entender dos membros do Copom", diz a ata, "a combinação de etapas adicionais desse processo de ajuste (de juros) com um período suficientemente longo de manutenção dos juros após a sua conclusão deverá reduzir de forma significativa a probabilidade de que a trajetória futura da inflação se desvie dos objetivos estabelecidos para a atuação da política monetária". O diagnóstico continua sombrio, apesar de terem arrefecido duas das principais ameaças às metas de inflação para 2005. Os preços do petróleo, que chegaram a ultrapassar os US$ 50 o barril, recuaram para perto dos US$ 40, embora a volatilidade das cotações ainda seja elevada. A produção industrial já escorregou para baixo por dois meses seguidos, mas a velocidade do crescimento, que esbarraria na insuficiência de oferta em um futuro próximo, continua preocupando o Copom. O BC saúda como positivos os grandes saldos da balança comercial, que não arrefeceram mesmo com a recuperação do mercado doméstico, e a elevação dos investimentos. Ainda assim, "apesar da tendência positiva nos investimentos, os indicadores do nível de utilização da capacidade permanecem elevados". Seria estranho que os investimentos avançassem se a capacidade de utilização fosse declinante e o BC ainda teme que as inversões não acompanhem o ritmo de expansão da demanda a ponto de afastar pressões inflacionárias. Não há de antemão como se ter certeza disso e, na dúvida, sobem-se os juros. O Copom considera insuficiente, com as elevações da taxa Selic já determinadas, que as expectativas de inflação do mercado, sobre as quais influi, tenham recuado tão pouco - de 5,9% para 5,78% - mesmo com uma apreciação cambial, uma diminuição moderada do ritmo da economia e um recuo considerável dos preços internacionais de várias commodities. Um dos motivos é o de que o mercado não pode ter previsões mais otimistas se o próprio BC não as têm. O outro pode ser a magnitude da taxa de juros, que precisaria ser possivelmente bem mais elevada para se atingir os 5,1% perseguidos, na ausência de outros instrumentos de controle da oferta monetária. A base monetária cresceu 26% em doze meses e a oferta de crédito caminha a 20% ao ano, com aumentos muito mais expressivos no financiamento dos bens duráveis, que evoluiu cerca de 37%. Mais um fator a levar em consideração é a distância entre alta de juros e suas consequências, que se farão sentir plenamente no primeiro trimestre do ano. Há sinais de que ela já cumpre o papel de amortecedor da demanda no recuo das vendas de supermercados em novembro, e nos resultados preliminares e impressionistas das vendas de fim de ano, que teriam sido apenas modestamente superiores às de 2003. Para o BC, os núcleos de inflação estão muito altos. O núcleo por exclusão avançou 6,6% no ano e 7,9% em doze meses. Embora haja pressão de preços livres, que subiram em novembro de 0,29% para 0,39%, a maior contribuição veio dos preços monitorados, com alta de 1,41% em novembro. Esse continua sendo um dos flancos das metas de inflação ambiciosas para 2005. O Copom elevou a estimativa e prevê que os preços monitorados subirão 9,8% no ano que vem, o que, dado o peso de 29,2% no IPCA, já embute uma variação de 2,86%. A variação dos preços livres teria de se situar abaixo de 2,2% em 2005, o que é perto de impossível com a economia exibindo um bom estado de ânimo. Para ser compatível com o figurino desenhado pelo BC e estipulado pelo Conselho Monetário Nacional, as atividades produtivas terão de sofrer um tranco considerável para se adequarem a esse molde apertado. A situação torna-se ainda mais desconfortável para o modelo se o real voltar a se desvalorizar, anulando os ganhos na inflação obtidos em decorrência do processo de apreciação cambial. O BC, porém, segue a política determinada pelo governo e, a julgar pelas recentes declarações do ministro da Fazenda, Antonio Palocci, está fazendo a coisa certa. A valorização cambial e o aumento da dívida pública são sintomas de que a alta dos juros para perseguir metas irreais já está tendo pesados efeitos colaterais ao país.