Título: Reforma política: começar é metade do caminho
Autor: Lobo, Lúcio Gusmão
Fonte: Correio Braziliense, 15/11/2010, Opinião, p. 13

Jornalista, analista político e autor de 11 livros sobre política É fato notório que não existe no atual Congresso Nacional forte determinação para aprovar profunda reforma política que objetive fortalecer os partidos políticos e, consequentemente, a democracia. Uma reforma fundamentada em ideias e não no personalismo desejado pela maioria de seus membros.

A alegação das lideranças partidárias é o lugar comum de sempre, isto é, só se pode fazer o possível e não o desejado. Desculpa que serviu e serve para encobrir os casuísmos presentes em todas as reformas até hoje discutidas e votadas pelo parlamento.

Sei que o Brasil não tem forte tradição democrática e, em decorrência, de autênticas agremiações partidárias. Em 100 anos de República experimentamos escassos períodos de autêntica democracia. Entre outras razões, porque não se eliminaram, de vez, todas as distorções até hoje existentes nas leis eleitorais.

Se a filiação do candidato ao partido fosse decorrência da sua identidade com o programa partidário, não teríamos, tanto no Senado quanto principalmente na Câmara dos Deputados, a existência da bancada ruralista, evangélica e tantas outras para defenderem interesses de grupos e não os preceitos doutrinários de sua legenda partidária, como seria o certo.

A maioria dos parlamentares ingressa no partido por mero oportunismo, na pressuposição de que a legenda na qual se filiou pode lhe proporcionar a sua eleição. Daí a vergonhosa troca de legenda durante o exercício do mandato. Isso também é consequência do baixo nível da representação nas últimas legislaturas tão recheadas de escândalos. Por isso, o exercício da política deixou de ser uma arte. É pura artimanha, contrariando Pontes de Miranda. que entendia ser o ¿partido político uma associação de pessoas que, tendo a mesma concepção de vida sobre a forma ideal da sociedade e o Estado, se congrega para a conquista do poder político, a fim e realizar um determinado programa¿. Infelizmente, não é o que ocorre no Brasil.

Por isso, defendo dois princípios básicos: o voto na legenda e, consequentemente, a fidelidade partidária. Continuaria o voto proporcional. Acabaríamos, assim, com o triste espetáculo dos programas eleitorais onde os candidatos iludem a população com promessas demagógicas. num populismo vulgar que conspurca o regime democrático.

Eis a razão pela qual no parlamento o bem coletivo só excepcionalmente é prioridade. O principal para deputados e senadores é o fisiologismo, o nepotismo e não raro os bons negócios financeiros, transformando o Palácio do Planalto em balcão de empregos e, não raro, como patrocinador de negócios escusos, ignorando todo e qualquer tipo de moralidade e decência no trato da coisa pública.

É evidente que os parlamentares não iriam aprovar uma lei eleitoral com mudanças substanciais que viessem de encontro aos seus interesses eleitorais, políticos e financeiros.

Precisamos, igualmente, de uma verdadeira reforma política para corrigir a proporcionalidade entre os estados, estabelecendo mais equilíbrio entre as diversas unidades da Federação. Essa distorção foi invenção da ditadura militar, para ensejar uma maioria nas duas Casas do Congresso anulando, assim, a supremacia eleitoral dos estados do Sul e Centro-Sul, até hoje menos conservadores dos que os nortistas e nordestinos.

Outra inovação proposta por alguns políticos e com a qual não concordo é a instituição do chamado voto distrital misto, baseada, sobretudo, na experiência alemã, cujas características políticas, culturais e econômicas são bem diferentes da nossas. O voto distrital aqui aplicado transformaria os deputados eleitos pelo município em autênticos vereadores federais.

Só com uma profunda reforma eleitoral os partidos políticos ganhariam mais credibilidade e os políticos, o respeito da população, hoje tão desacreditados, conforme as pesquisas de opinião pública. Essa transformação não poderia, evidentemente, trazer resultados imediatos como seria o desejável. É um processo educativo que a cada eleição revitaliza a democracia e transforma de fato os partidos políticos em instrumento da execução de programa bem definido. Ao se eleger um presidente da República, saber-se-ia, antecipadamente, qual seriam os rumos doutrinários do seu governo, os quais estariam explicitados no programa do seu partido. Começar é a metade do caminho a ser percorrido.