Título: Fundos brasileiros entram no radar dos estrangeiros
Autor: Camba, Daniele
Fonte: Valor Econômico, 17/10/2006, Política, p. A5

Os investidores estrangeiros estão de olho no Brasil como há muito tempo não se via. Os dados da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) revelam que o saldo (aplicações menos resgates) de investidores não-residentes este ano, até agosto, é de US$ 4,346 bilhões. Esse é o segundo melhor saldo, desde 1991, perdendo apenas para 1993, quando as aplicações superaram os resgates em US$ 5,477 bilhões. Os analistas acreditam que o fluxo deve continuar bom e este pode ser o ano de maior interesse por ativos locais. Principalmente depois da isenção de imposto de renda para aplicações desses investidores em títulos públicos.

Para atender a esse interesse, algumas gestoras independentes estão incrementando suas estruturas. A ARX Capital, por exemplo, contratou o profissional estrangeiro Alexander Gorra, vindo do banco UBS, especificamente para ser a ponte com potenciais cotistas internacionais. A Polo Capital Management é outra asset carioca que possui uma executiva estrangeira, Dara Chapman, para facilitar as conversas com esses investidores.

Essa procura cresceu muito este ano. Na ARX, há entre 10 e 15 reuniões mensais com investidores estrangeiros, três vezes mais do que no ano passado. "A situação hoje é outra, não somos nós que vamos atrás deles, eles é que batem na nossa porta", diz Gorra, que hoje é um dos sócios da ARX.

A melhora dos fundamentos - inflação sob controle, superávit primário, balança comercial robusta - e a expectativa de que se torne um país com baixo risco ("investment grade") foram empurrões importantes para os investidores colocarem o Brasil no radar de suas carteiras, diz o sócio da Claritas Investimentos Marcelo Karvelis, que acaba de voltar de uma rodada de reuniões em Nova York.

A disputa para presidente não parece preocupar esse público. "A pergunta que mais ouvi foi o que aconteceria com o Brasil numa reversão da alta da commodities", afirma Karvelis, que tentou mostrar que essa queda dos preços precisaria ser brutal para afetar a balança comercial brasileira. Também querem saber sobre as perspectivas de crescimento maior da economia, lembra Gorra, da ARX.

Os principais interessados são gestoras que administram fundos de fundos que investem em qualquer região do mundo ou aqueles focados em países emergentes, administradoras de fortunas ("family offices") e bancos de investimentos. O interesse maior, segundo Gorra, vem de assets européias - com um perfil mais agressivo -, seguidas pelas americanas e depois asiáticas. Até gestoras árabes estão vendo oportunidades no Brasil, lembra o sócio da ARX.

Não é por acaso que as assets independentes percebem mais esse interesse. Os investidores estão à procura de políticas de investimentos diferenciadas e as pequenas gestoras são o berço dessas estratégias. "Eles estão em busca de fundos multimercados das mais diferentes estruturas, como long/short, macro, quantitativos e os que buscam oportunidades em eventos societários", diz o sócio da Polo Capital, Marcos Duarte.

Mas nem todas as gestoras independentes conseguem passar nesse funil dos estrangeiros. Eles preferem as assets mais antigas, que já sobreviveram a várias crises. Além disso, há uma limitação mínima de tamanho. "É preciso administrar no mínimo US$ 50 milhões para entrar no processo de seleção", diz Karvelis. E o motivo é simples: esses investidores são muito grandes e não querem que qualquer bilhão aplicado represente 90% do patrimônio de uma asset.

A estrutura do mercado também faz com que o Brasil leve vantagem frente aos demais emergentes, como os que formam o grupo BRIC (além do Brasil, Rússia, Índia e China), lembra o sócio da ARX. "O nosso mercado tem instrumentos mais desenvolvidos como os derivativos e a possibilidade de ficar vendido (ficar devendo determinado ativo), o que não existe nesses outros países", diz Gorra.

A evolução da governança corporativa, especialmente depois da criação do Novo Mercado, também colocou o mercado acionário brasileiro numa posição privilegiada no processo de escolha dos investidores internacionais. "As empresas brasileiras são mais transparentes que as de outros países emergentes", completa Gorra.

Mas se tem algo que não falta nessa seleção é o rigor. O processo de auditoria ("due dilligence") nas gestoras brasileiras é super complexo e demorado - os investidores querem saber desde o processo de avaliação dos ativos até se existe controle das operações em outro lugar, no caso de incêndio. "Do namoro até o casamento pode levar mais de seis meses, alguns investidores que nos visitaram o ano passado estão aplicando apenas agora", diz Duarte, da Polo.