Título: Para Lula, Previdência precisa de mais reformas
Autor: Romero, Cristiano e Felício, César
Fonte: Valor Econômico, 17/10/2006, Política, p. A8

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva admitiu ontem, em entrevista ao programa "Roda Viva", da TV Cultura, que poderá fazer uma segunda reforma da Previdência, caso seja reeleito para o cargo no segundo turno da eleição presidencial, no dia 29. Segundo Lula, por causa do aumento da expectativa de vida da população, mudanças nas regras de aposentadoria são inevitáveis e deverão acontecer a "cada 15, 20 anos". "Não tem outro jeito", disse o presidente-candidato.

Esta foi a primeira vez que Lula defendeu publicamente a necessidade de reforma da Previdência Social, que hoje já consome 43% das despesas correntes do governo federal. Com suas declarações, desautorizou, na prática, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, que recentemente assegurou que o governo não proporia mudanças nas regras do INSS. O tema não consta do programa de governo do candidato do PT para o segundo mandato, mas vem sendo estudado por técnicos do governo.

O presidente deixou claro que não está disposto a assumir sozinho o ônus político de uma nova mudança constitucional nas regras da previdência. A reforma teria como molde político a reforma universitária, onde, segundo o presidente, o governo coordenou os interesses dos diversos setores envolvidos, em vez de apresentar uma proposta pronta sobre o assunto. O mesmo modelo foi utilizado na elaboração de duas reformas que não saíram do papel - a sindical e a trabalhista.

"Não vai ser uma proposta do governo. Vou juntar todos os segmentos da sociedade interessados na previdência social, tanto os trabalhadores da ativa, que são o futuro da Previdência, quanto os aposentados, mais os empresários e o governo, e vamos discutir que tipo de reforma poderemos fazer", afirmou Lula.

Segundo o presidente, um condicionante da reforma será evitar ônus para trabalhadores assalariados. "Se é possível encontrar uma forma de fazer uma reforma na Previdência, vamos fazê-la. Agora, vamos fazê-la sem vender para a sociedade a idéia, muito comum no Brasil, de que é a salvação da humanidade. Sem que a gente penalize aquele trabalhador que todo mês é descontado no seu holerite um percentual para a Previdência Social ", afirmou.

Durante a entrevista, Lula foi dúbio ao comentar o tema da privatização. Ao mesmo tempo em que condenou as vendas de estatais feitas nas administrações do PSDB tanto no governo federal quanto no Estado de São Paulo, afirmando que "o trabalho administrativo deles é vender e gastar o patrimônio público e depois as dívidas sequer são pagas", o candidato do PT reconheceu que a telefonia melhorou após a privatização. Além disso, ele reconheceu as limitações do Estado.

"Acho que não cabe ao Estado ficar competindo em todas as áreas com a iniciativa privada. Esse é um debate que já está superado. O Brasil já teve o processo de privatização. Gostemos ou não, ele foi feito, algumas coisas funcionaram e é preciso reconhecer que o sistema de telefonia melhorou no Brasil, mas é preciso dizer que (a privatização) do sistema ferroviário foi um desastre. Não deu certo", comentou o presidente.

O ambiente de denúncias contra o PT e assessores de Lula, contudo, dominou o diálogo do presidente com os jornalistas. Em dois momentos da entrevista, gravada na ampla biblioteca do Palácio da Alvorada, o presidente-candidato manifestou irritação: quando o nome de seu filho, Fábio Luiz da Silva, o Lulinha, foi mencionado e quando ele foi questionado sobre o escândalo do dossiê criado por petistas para prejudicar o tucano José Serra, eleito governador de São Paulo.

Pela primeira vez na campanha, Lula foi questionado sobre as ligações de Lulinha, dono de uma pequena empresa chamada Gamecorp, com a operadora de telefonia Telemar, que é concessionária de serviço público e tem participação acionária direta (BNDES, com 25% das ações ordinárias) e indireta (fundos de pensões ligados a estatais e seguradoras pertencentes ao Banco do Brasil) do Tesouro Nacional. A Telemar teria investido, já no governo Lula, R$ 15 milhões na Gamecorp.

Lula assegurou que as operações de seu filho são normais. "Do ponto de vista legal, jurídico, a Telemar é uma empresa privada. A Previ (fundo de pensão do Banco do Brasil) nem participa do Conselho de Administração. Se tiver alguma coisa errada, digam. Não posso tomar as dores de meu filho, mas não posso impedi-lo de trabalhar", afirmou Lula. "Meu filho, minha mulher e qualquer parente meu estão subordinados à mesma legislação que todos os outros brasileiros. Se tiverem errado, que paguem", disse, afirmando que não fez qualquer acordo com seu oponente Geraldo Alckmin (PSDB), para não tratar de temas familiares em debates.

A página eletrônica da candidatura de Lula na Internet fez uma menção na semana passada ao fato de a esposa de Alckmin, Maria Lúcia, ter ganho vestidos de presente e de sua filha, Sofia, ter trabalhado na Daslu, uma empresa suspeita de contrabando. Lula disse ter determinado a retirada da página do ar. "Não tenho acordo, mas um procedimento. Nunca me peçam para falar de mulher e de filho de ninguém", disse o presidente-candidato, que reiterou as críticas ao comportamento de Alckmin no debate contra ele na TV Bandeirantes. Segundo o presidente-candidato, Alckmin estava "ensandecido" porque "achou que ia resolver a guerra em uma batalha", subindo o tom da agressividade.

O presidente também contou a sua versão sobre a saída do deputado Ricardo Berzoini (PT-SP) da coordenação da campanha. "Chamei o presidente do partido e exigi: 'Quero saber quem fez esta burrice'. Porque foi de uma sandice inominável. Ele me disse que não sabia. Eu falei: ´Ricardo, você que é o presidente do partido tem a obrigação de apresentar para a sociedade brasileira a resposta´. Ele não respondeu. Na quarta-feira, eu o afastei da coordenação da campanha", disse.

O presidente Lula foi entrevistado, no programa Roda Viva, da TV Cultura, por sete jornalistas - dois da TV Cultura e cinco dos jornais Valor, Folha de S.Paulo, O Estado de S.Paulo, O Globo e Correio Braziliense. No próximo domingo, será a vez de o candidato tucano Geraldo Alckmin ser entrevistado pelo Roda Viva.