Título: Mortes serão investigadas
Autor: Amorim, Diego; Olívia Meireles
Fonte: Correio Braziliense, 15/11/2010, Cidades, p. 19

O Ministério Público do DF vai buscar informações sobre o surto. No fim de semana, três crianças morreram, mas nenhuma estava na UTI

As mortes de recém-nascidos no Hospital Regional da Asa Sul (Hras) serão investigadas pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT). A situação no centro de saúde é considerada preocupante pela própria equipe médica da unidade, conforme laudo divulgado com exclusividade ontem pelo Correio. O deficit de funcionários, a falta de material básico e a superlotação da Unidade de Terapia Intensiva (UTI) neonatal facilitaram a propagação de bactérias que tiraram a vida de 11 bebês em 40 dias. Outros seis permanecem isolados, com diagnóstico de infecção confirmado.

Assim que o surto foi divulgado, na última sexta-feira, o promotor Jairo Bisol, titular da Promotoria de Justiça de Defesa dos Direitos da Saúde (Prosus), começou a reunir informações sobre os casos. Amanhã, a investigação será aberta oficialmente no MP. O promotor já entrou em contato com representantes da Secretaria de Saúde e pretende ir ao hospital conversar com o diretor da unidade, Alberto Henrique Barbosa. ¿Precisamos entender o porquê dessas mortes. Evidentemente, há uma relação entre elas e os problemas de gestão do sistema público¿, disse Bisol ao Correio.

O risco de infecção, sustentou o promotor, ronda qualquer UTI. Ele explica que as chances de propagação de bactérias são ¿inerentes¿ a lugares em que há procedimentos de alta complexidade. ¿No entanto, os protocolos têm de ser respeitados¿, ponderou Bisol. ¿E a gente sabe como a rede pública enfrenta dificuldade de abastecimento. O sistema de compras estava completamente desorganizado¿, acrescentou. Até o fim desta semana, o diretor do Hras espera receber todos os pedidos de insumos feitos com urgência à Secretaria de Saúde.

Novos casos No início da manhã de ontem, uma criança de nove meses morreu no Hras. Ela não estava na UTI neonatal, onde se constatou a propagação de três bactérias: Estafilococos, Serratia e Klebsiella. Foi a terceira morte de bebê do fim de semana, segundo o diretor. Em outubro, de acordo com ele, 18 recém-nascidos perderam a vida no hospital, sem estarem infectados. ¿Não é porque a criança morre que há relação com as bactérias. E não é porque ela pegou infecção que ela vai morrer¿, comentou Barbosa.

Apesar da negativa do chefe da unidade de saúde, familiares da criança suspeitam que a morte possa ter relação com o surto. Ela chegou ao hospital há dois meses, com gripe. Era a primeira filha de uma casal que mora e trabalha em uma casa no Lago Sul. A mãe é diarista e o pai, jardineiro. ¿Essas mortes não podem continuar. Alguém tem que fazer alguma coisa para evitar mais sofrimento¿, disse um tio.

Os pais, muito abalados, não quiseram falar com a reportagem, nem disseram seus nomes. Uma irmã da mãe da bebê, que a acompanhou nos fins de semana, contou que os profissionais do hospital não tinham cuidado com a higiene. ¿Não sei se a morte da minha sobrinha tem a ver ou não com essa infecção. Mas que há falhas, há. Um dia deram uma injeção nela (no bebê) e sangrou tudo, até o lençol da cama. Eles não se preocupavam em limpar direito¿, disse.

Vulneráveis A infectologista Silvia Figueiredo Costa, professora da Universidade de São Paulo (USP), lembrou que os recém-nascidos são muito mais vulneráveis: ¿Devido à fraqueza do organismo, qualquer infecção pode levar à morte¿. Ela explicou que as bactérias Klebsiella e Serratia, encontradas no Hras, são multirresistentes e os bebês não possuem defesa contra elas. ¿Se houve um surto dos três tipos de bactérias, esse é um fato muito raro. Normalmente, a propagação envolve apenas um tipo¿, completou. De acordo com Silvia, as dicas básicas de prevenção valem para combater todos os microorganismos. ¿Materiais como álcool em gel, sabão, luvas e aventais são indispensáveis para os profissionais de saúde que lidam com crianças hospitalizadas¿, enumerou. O tratamento é feito à base de antibióticos. A infecção por Serratia costuma estar associada a pneumonias e a septicemias. A Estafilococos, por sua vez, é encontrada na pele e a transmissão pode ocorrer pelo contato com os bebês.

O governador eleito Agnelo Queiroz (PT) comentou ontem a situação no Hras. Segundo ele, falta ¿administração de risco¿ na rede pública de saúde do DF. ¿Unidades como o Hras, referência no atendimento a crianças, precisam de atenção especial. No meu governo, não permitiremos que um centro de saúde chegue a condições precárias como nesse caso¿, comentou, antes de alfinetar o atual governador, Rogério Rosso. ¿Em vez de reformar os centros de saúde, os recursos do governo deveriam ser aplicados em situações mais urgentes, como essa¿, disse. ¿Os hospitais precisam ser prioridade permanente¿, justificou.

A Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados, colegiado responsável pela análise e fiscalização de temas relacionados à saúde na Casa, debaterá na reunião da próxima quarta as mortes no Hras. O deputado Lael Varella (DEM-MG) afirmou que levará o tema para a comissão e poderá apresentar requerimento convocando autoridades responsáveis para apresentar um panorama da situação das UTIs neonatais no país. O parlamentar criticou a falta de investimentos em saúde no Brasil. ¿A saúde está um caos. Todos os hospitais estão caindo aos pedaços, a UTI neonatal não é diferente disso. Tem dinheiro para tudo no governo, menos para a saúde¿, afirmou o parlamentar.

Colaboraram Rebeca Ramos, Larissa Leite e Josie Jeronimo