Título: Faltam vagas para recém-nascidos
Autor: Amorim, Diego; Olívia Meireles
Fonte: Correio Braziliense, 15/11/2010, Cidades, p. 19

A rede pública do DF tem apenas 81 leitos de UTI neonatal e todos estão ocupados. Seriam necessários 250 a fim de atender a demanda

A crise na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) neonatal do Hospital Regional da Asa Sul torna ainda mais caótica a situação da falta de leitos para recém-nascidos no Distrito Federal. Após a confirmação da morte de 11 bebês em 40 dias, a Vigilância Sanitária do DF proibiu o Hras de receber novos pacientes na internação, com exceção dos bebês e grávidas em estado gravíssimo. Com isso, as mães que dependem da rede pública ficaram sem alternativa. De acordo com levantamento realizado pelo Correio, todos os 81 leitos de UTI neonatal disponíveis no DF estavam ocupados ontem.

O Hras concentra 37% do total de vagas, com 30 leitos. O restante está distribuído nos hospitais regionais de Ceilândia, Taguatinga, Santa Maria e no Hospital de Base do DF (veja quadro). Na unidade do Paranoá, onde há 10 espaços destinados a bebês com gravidade considerada média, a UTI está superlotada. A reforma e o consequente fechamento da maternidade do Hospital Universitário de Brasília (HUB) contribui para aumentar o deficit de vagas.

Nos cálculos do diretor da Sociedade Brasiliense de Pediatria (SBP), Dennis Alexandre Burns, o número ideal de leitos em UTI neonatal para atender a população do DF ¿ estimada em 2,4 milhões de pessoas ¿ seria entre 210 e 250 vagas. ¿A situação é preocupante. O problema de superlotação nas UTIs neonatais do DF já era grave quando todas as unidades estavam funcionando perfeitamente¿, comentou Burns. ¿Nos hospitais particulares, o cenário é muito parecido¿, completou o pediatra.

Risco A restrição de atendimento no Hras é por tempo indeterminado. Agentes da Vigilância Sanitária do DF constataram grande risco de novas contaminações. Laudo técnico elaborado pelo Núcleo de Controle de Infecção Hospitalar confirma as falhas no centro de saúde. No fim de semana, três bebês ¿ que não estavam na UTI ¿ morreram no Hras. O diretor da unidade, Alberto Henrique Barbosa, afirmou que os casos não têm relação alguma com o surto de infecção. Segundo ele, o estado de saúde dos seis bebês isolados por estarem contaminados continuava, até ontem, estável.

Aos 22 anos, Giselle de Jesus Costa espera o quarto filho. A gravidez de 29 semanas é considerada de alto risco pelos médicos. A jovem sofre de pressão alta e diabetes. Ontem, depois de tomar um ônibus onde mora, em Samambaia, saltou na L2 Sul, para uma consulta de emergência no Hras. Passou por exames e precisou ser medicada para conter sangramentos. O bebê, um menino, está previsto para vir ao mundo em janeiro. Apesar da preocupação com o surto de infecção no hospital, Giselle não abre mão do desejo de dar à luz no Hras. ¿Estou assustada, com medo, mas meu pré-natal foi feito aqui. Em todo hospital tem risco de infecção. Não temos para onde correr¿, comentou.

Em meio à crise no Hras, as principais autoridades do DF preferiram não se pronunciar no fim de semana prolongado. A reportagem tentou falar, durante todo o domingo, com a secretária da pasta, Fabíola Aguiar. A assessoria informou que ela estava incomunicável, fora de Brasília. O governador Rogério Rosso não atendeu as ligações do Correio. Também por meio da assessoria, chegou a informação de que ele aproveitava o feriado para descansar, sem poder receber telefonemas. As declarações oficiais do governo só deverão ser feitas amanhã.

O Ministério da Saúde informou não ter sido procurado pela Secretaria de Saúde do DF. Segundo a assessoria de imprensa da pasta, o órgão local tem autonomia para lidar com as mortes dos recém-nascidos. Uma intervenção só poderia ser feita a partir de uma solicitação formal do GDF. Se acionado, o ministério poderá apoiar, fornecendo materiais.

Colaboraram Larissa Leite e Josie Jeronimo

Memória As crises de 2010

Ao longo deste ano, a Secretaria de Saúde enfrentou graves problemas. Confira os principais:

Intervenção

Na semana passada, o governador Rogério Rosso anunciou intervenção no Hospital Regional de Santa Maria. A Secretaria de Saúde assinou, em janeiro de 2009, contrato com a Real Sociedade Espanhola de Beneficência, com validade até janeiro de 2011, para gerir a unidade. Nesse período, o GDF deveria repassar R$ 222 milhões à entidade, cerca de R$ 11 milhões por mês. Porém, foram identificadas diversas irregularidades na gestão, entre elas a inadimplência com fornecedores e prejuízos com o custeio do modelo.

Superbactéria

No fim de setembro, estourou no DF o surto da bactéria Klebsiella Pneumoniae Carbapenemase (KPC). O primeiro caso de contaminação foi em janeiro. O número mais recente de mortes divulgado pela Secretaria de Saúde é de 22 óbitos. De janeiro até agora, mais de 100 pacientes estão entre casos confirmados e suspeitos de ter a bactéria. A maior parte contraiu o micro-organismo no Hospital de Base do DF e no Hospital Regional de Santa Maria. Constatou-se que a medida considerada mais importante para prevenção e controle de infecções não estava sendo adotada: lavar as mãos.

Sem material

Em maio deste ano, o Correio mostrou que, na maior unidade da rede pública de saúde de Brasília, o Hospital de Base, faltavam os mais básicos materiais: esparadrapo, sondas, agulhas, cateter, coletor de urina, bisturi, luvas e até fio de sutura. Sem as mínimas condições de trabalho, médicos cancelavam operações agendadas e mesmo as de emergência. O Tribunal de Contas do DF suspendeu 72 pregões organizados pela Secretaria de Saúde para reabastecer o estoque. Havia falhas no processo.