Título: Rodoferroviária fantasma
Autor: Laboissière, Mariana
Fonte: Correio Braziliense, 15/11/2010, Cidades, p. 24

Desde que a nova Rodoviária foi inaugurada, em julho, o antigo terminal está praticamente às moscas. Agora, só alguns órgãos do GDF ocupam parte do prédio O cenário é desolador. Os guichês vazios, as lojas abandonadas e as portas trancadas com correntes e cadeados denunciam que há muito tempo pessoas não passam por ali para tomar uma condução ou desembarcar. As escadas rolantes estão inertes e um terminal bancário chegou a ser esquecido num canto qualquer. Um dos únicos relógios que restaram no local parou no tempo. Assim está a velha Rodoferroviária de Brasília, localizada no extremo oeste do Eixo Monumental, a cerca de 10km do Plano Piloto. Desde 24 de julho último, quando foi desativada, a antiga edificação não recebe um ônibus sequer em seus boxes. O novo destino de veículos que saem de Brasília ou chegam à capital percorrendo distância superior a 75km é a Rodoviária Interestadual, às margens da Estrada Parque Indústria e Abastecimento (Epia).

As paredes do antigo terminal, forradas de azulejos de Athos Bulcão, e o teto do segundo pavimento, repleto de folhas de metal, trabalho também assinado pelo artista, têm outros expectadores. São funcionários, servidores de órgãos públicos vinculados ao Governo do Distrito Federal (GDF), como a Transporte Urbano do DF (Dftrans), a Secretaria de Estado de Desenvolvimento e Transferência de Renda (Sedest) e a Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento do DF (Adasa). O movimento é mínimo em comparação com o tempo do vaivém de ônibus, quando cerca de 4,5 mil usuários passavam por lá diariamente. No período de férias e feriados esse número aumentava para aproximadamente 10 mil.

Iano Andrade/CB/D.A Press - 24/2/06 Como era antes Em épocas de feriados, como o carnaval, a Rodoferroviária chegava a atender 10 mil pessoas a mais do que em dias normais A destinação do prédio, que pertence à União, causa polêmica. Em princípio, ele continuará sendo ocupado por entes do governo local, mas há possibilidade de que, no futuro, se torne um terminal para ônibus do Entorno ou um museu de ciência e tecnologia. O auxiliar de serviços gerais Antônio Pereira da Silva, 35 anos, torce para que não haja mudanças. Para ele, a desativação do terminal significou menos trabalho. ¿Estou aqui há três anos e posso dizer que antigamente era muita gente para atender, o trabalho era pesado. Hoje é uma tranquilidade só. Está muito bom trabalhar aqui¿, brincou. Segundo ele, o movimento durante o dia é, basicamente, de funcionários dos órgãos que ainda funcionam no prédio. Fato que desagrada a donos de bancas no Shopping Popular de Brasília, localizado ao lado da antiga Rodoferroviária.

Indefinição De acordo com a Secretaria de Transportes do Distrito Federal (STDF), ainda responsável pelo local, estudos são feitos para verificar como o espaço será aproveitado. A assessoria de imprensa informou que existe um processo de compartilhamento em andamento há dois anos. Ele tem como objetivo repassar o prédio para o GDF. Enquanto isso não acontece, qualquer reforma está vetada, a menos que autorizada pela União. O assunto pode ficar para a próxima gestão no Executivo. A secretaria coordena um contrato geral de manutenção de todos os terminais do DF, incluindo a Rodoferroviária. Em relação às contas de energia e água, o órgão vem efetuando o pagamento, mas realiza, posteriormente, o rateio entre as demais pastas em funcionamento no local.

O superintendente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) no DF, Alfredo Gastal, acredita que o valor arquitetônico da edificação deva ser explorado. ¿Ao contrário das críticas usuais, acho a edificação muito interessante, ela foi idealizada por Niemeyer e possui peças artísticas. O prédio não foi tombado, mas isso pode acontecer em médio ou longo prazo. Acredito que o pátio seja muito importante, pois trata-se de uma área que poderia ser usada como um terminal para transportes de massa modernos, não para ônibus¿, sugeriu.

Durante a campanha eleitoral, o agora governador eleito do Distrito Federal, Agnelo Queiroz (PT), disse ter a intenção de revitalizar a Rodoferroviária, sustentando que o espaço poderia abrigar outros órgãos do GDF ou se tornar um terminal rodoviário para ônibus do DF e/ou Entorno. A Secretaria de Fazenda já anunciou interesse em ocupar, em breve, parte do térreo da construção.

Linha férrea Os estacionamentos ao longo da Rodoferroviária, com capacidade para 1.051 carros, recebem, atualmente, uma média de 50 por dia. Os pontos de táxi estão vazios e são ocupados por motoristas que procuram sombra para os veículos. O mato ao redor do prédio também cresceu. Mas a desativação da velha estação trouxe outras consequências. Ao todo, 21 quiosques e 14 lojas deixaram de funcionar. Outros 39 guichês de empresas de ônibus pararam de comercializar passagens. No fim das contas, o terminal deixou de arrecadar R$ 75 mil por mês com a taxa de ocupação, a taxa de utilização pública e o rateio de serviços.

O prédio, semelhante a um vagão de trem, está no lugar do Antigo Aeroporto de Vera Cruz. Por lá, ainda passa uma linha férrea de cargas para Goiânia e São Paulo. Em 1981, o terminal rodoviário tornou-se um dos principais no DF voltado a linhas interestaduais ¿ naquele ano, esses ônibus deixaram de utilizar a Rodoviária do Plano Piloto.

Ciência Uma comissão, formada por representantes da Universidade de Brasília (UnB) e membros do Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT), tem o projeto de transformar a Rodoferroviária no primeiro museu de ciência e tecnologia da capital. A ideia foi apresentada ainda em julho deste ano à Secretaria de Patrimônio da União (SPU). Para a reforma do espaço, seria necessário um investimento de R$ 55 milhões.

¿Nossa expectativa é de que esse assunto volte a ser discutido pelo novo governo¿, afirmou o professor do Instituto de Física da UnB e membro da comissão Cássio Laranjeiras. ¿Queremos estabelecer ali um espaço para cultura e cidadania. Por isso, nós o chamamos de Estação do Conhecimento. Apesar dos 50 anos de Brasília, não dá para entender como a cidade ainda não tem um local como esse. Nossa expectativa é de que essa possibilidade se torne uma realidade, afinal, seria um presente que a cidade estaria se dando.¿