Título: Ministros de Lula propõem zerar déficit com PIB maior
Autor: Salgado, Raquel e Lamucci, Sergio
Fonte: Valor Econômico, 17/10/2006, Especial, p. A14

A receita da atual equipe econômica para controlar despesas e zerar o déficit das contas públicas até o final de um possível segundo mandato do presidente Lula consiste em conseguir um crescimento de 4% a 5% ao ano e manter o superávit primário em 4,25% do Produto Interno Bruto (PIB), contando ainda com a ajuda da queda dos juros e alguma redução dos gastos correntes. Os ministros Guido Mantega, da Fazenda, e Paulo Bernardo, do Planejamento, insistiram ontem num ajuste gradual e de longo prazo nas contas e descartaram um choque que implique em corte abrupto de gastos.

É" perfeitamente possível zerar o déficit nominal nos próximos quatro anos", afirmou Mantega, referindo-se ao resultado das contas públicas que inclui os gastos com juros. Segundo ele, essa meta pode ser atingida com um crescimento médio de 5% e superávit primário de 4,25% do PIB.

Questionado se a previsão de crescimento de 5% não é muito otimista, uma vez que os analistas esperam um PIB de 3,5% para 2007, Mantega disse que não olha só para trás para prever o que acontecerá, ao contrário de outros economistas. "Eu olho para a perspectiva da trajetória dos juros, que é de queda." Segundo ele, hoje o país já se beneficia do afrouxamento da política monetária e isso será potencializado daqui para frente. De um lado, com juros mais baixos, a dívida pública ficará menor. De outro, um PIB de 5% proporcionará mais arrecadação sem a necessidade de aumentar os impostos.

Em tom de resposta às propostas do candidato Geraldo Alckmin, do PSDB, que promete um choque de gestão, o ministro rejeitou qualquer tipo de choque na economia, seja ele fiscal, cambial ou "outra natureza". Mantega discursava na abertura da reunião da Federação Mundial das Bolsas de Valores e completou dizendo que "não acredita ser possível cortar as despesas correntes em 2%, 3% do PIB". Para ele, é melhor "não trocar uma política que está dando certo por uma de choque".

A proposta do atual governo é de uma redução modesta nos gastos correntes, em torno de 0,1% a 0,2% do PIB a cada ano. "Não adianta diminuir gastos na saúde e na educação, é preciso melhorar a qualidade desse gasto." Ele também aposta na redução da velocidade do aumento dos gastos como alívio para as contas públicas.

O ministro disse ainda que, apesar de não ter sido aprovada na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), tentará aplicar a redução de 0,1% do PIB nas despesas correntes primárias a partir do ano que vem. "Vou tentar, mas precisamos ver como ficará o orçamento, se existe folga para isso", afirma. O secretário do Tesouro Nacional, Carlos Kawall, também condiciona a redução dos gastos ao orçamento que será aprovado.

Em evento na sede da Associação dos Profissionais e Investidores do Mercado de Capitais (Apimec) de São Paulo, Paulo Bernardo também disse que é necessário esperar a aprovação do orçamento antes de definir se será necessário cortar R$ 5,2 bilhões de despesas correntes para que os gastos de 2007 fiquem 0,1% do PIB abaixo dos deste ano, como consta do relatório do senador Valdir Raupp (PMDB-RO). Bernardo criticou a demora dos parlamentares em aprovar a LDO. Para ele, é possível que em 2007 e nos próximos anos a economia cresça 4,75% ou até mais - o governo usou o número para elaborar o orçamento.

Bernardo também considera possível zerar o déficit nominal até 2010, embora tenha usado uma estimativa de crescimento inferior à de Mantega para atingir a meta. Segundo ele, um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) indica que é possível chegar lá em 2009 ou 2010, com uma expansão da economia de 4% ao ano, a manutenção do superávit em 4,25% do PIB e "um pouco" de contenção dos gastos correntes.

Ele defendeu o ajuste fiscal gradual. Segundo Bernardo, o principal é que os gastos correntes cresçam a um ritmo inferior ao do PIB. Com isso, seria possível aumentar os investimentos e reduzir a carga tributária. Para ele, seria razoável fazer com que as despesas correntes de um ano fiquem 0,1% do PIB abaixo dos gastos do ano anterior.

Bernardo também insistiu que é inviável reduzir num ano as despesas correntes em R$ 60 bilhões a R$ 70 bilhões, números que equivalem ao déficit nominal e têm sido discutidos porque fariam parte da proposta de ajuste fiscal defendida pelo economista Yoshiaki Nakano, um dos assessores de Alckmin.

Segundo Bernardo, de uma receita prevista de R$ 570 bilhões de impostos para a União em 2007, sobram apenas R$ 91 bilhões que podem ser usados livremente pelo governo, descontados os gastos obrigatórios com pessoal, previdência, juros e transferências a Estados e municípios. "E dentro dos R$ 91 bilhões estão despesas com saúde, com educação e gastos assistenciais com o Bolsa Família."

Nakano não defendeu, porém, um corte dessa magnitude no prazo de um ano. A idéia seria reduzir o déficit nominal num período mais longo, mas com um esforço maior no primeiro ano. "Se for isso que ele está propondo, é o que nós estamos fazendo", disse Bernardo, lembrando que, no governo Lula, o déficit caiu de 8% para 3% do PIB.