Título: 'Não devemos ter medo do mundo'
Autor: Christiane Martinez e Pedro Cafardo
Fonte: Valor Econômico, 27/12/2004, Especial, p. A10

Nizan Guanaes, o conhecido publicitário brasileiro, fala compulsivamente quando discute planos e idéias. Entusiasma-se e levanta a voz. "Não devemos ter medo do mundo", diz, depois de referir-se a um dos clientes de sua agência, a Cachaça 51, marca que ele pretende internacionalizar. Então lembra da Vale do Rio Doce, outro cliente, que já é um gigante do mercado mundial: "Estamos fazendo anúncios em chinês, japonês". "O Brasil tem que sonhar o sonho do Gerdau, da Vale, da Votorantim, empresas mundiais." Nizan, que trabalhou como marqueteiro de José Serra na campanha de 2002, também não teme elogiar Lula, que chama de "competente", mesma definição atribuída à equipe econômica. O publicitário já dirige um grupo empresarial de grande porte. Suas agências de publicidade - Africa, MPM e DM9 - reunidas na holding Ypy, devem faturar este ano mais de R$ 1 bilhão. Então, ele olha para 2005 com indisfarçável ambição. Vai diversificar operações do grupo para não depender tanto de publicidade e para poder crescer mesmo se a economia patinar, no que não acredita. Vai abrir uma empresa na área de eventos e começa a pensar em uma jogada ousada para daqui a alguns anos: a abertura de capital da holding Ypy e o lançamento de ações na bolsa. Um pouco antes do Natal, Nizan conversou com o Valor. Valor: O senhor já é um grande empresário, diz que seu grupo está faturando R$ 1 bilhão... Nizan Guanaes: Eu não, quem diz é o Ibope Monitor. Na verdade, R$ 1,3 bilhão. Valor: Então, como grande empresário, quais são suas perspectivas para a economia em 2005? O país continuará crescendo? Nizan: Eu espero isso, embora a linha que nós sempre adotamos nas empresas é a de criar condições de crescimento a despeito da economia. Mas é claro que sempre com ajuda dela é mais fácil. Valor: Como se faz para criar essas condições? Nizan: Nós buscamos sair de um desenho de agência para o de grupo de comunicação. Com isso, passa-se a ter uma cesta de moedas, em vez de uma moeda só. Hoje temos clientes com necessidades completamente diferentes. Então, para construir um grupo, saímos do desenho tradicional. Não se consegue mais ter o desempenho esperado com apenas uma agência. Existem grandes holdings de propaganda no mundo e não é possível que no Brasil a gente não comece a construir isso. Valor: A África teve um crescimento explosivo desde... Nizan: Isso vem desde 2000. Em meados de 2001, quando retomamos a DM9, nos a associamos com a Omnicon, com o grupo DDB. Com isso, recuperamos a DM9 que não vinha em um bom momento e o Guga Valente assumiu a presidência. Depois, eu, Márcio Santoro, Olívia Machado, Luiz Fernando Vieira, Sérgio Gordilho viemos montar a Africa. A partir disso, lançamos a agência MPM, que a Bia Aydar está comandando. Temos ainda a Eugênio WG e temos a agência Click. Esse conjunto de empresas atende a mais de cem clientes e nós queremos no ano que vem partir para novos setores da área de comunicação. Isso é buscar alternativas a despeito do crescimento da economia. Valor: Com a economia crescendo não é fácil a gente se iludir? Nizan: Não. Em 1989, na era Collor, nós fizemos a DM9, nas piores condições. Eu tenho esse dedo mestre para criar coisas nos piores momentos. Evidentemente que a gente torce para que o Brasil continue crescendo. Isso facilita tudo, mas a gente tem que entender que estamos num mundo globalizado e somos afetados por coisas que não acontecem aqui. Eu acredito muito em 2005, acho que o Brasil vive um momento fabuloso, mas sempre temos que ter um olho no peixe e outro no gato. Valor: Que setores diferenciados são esses em que poderá investir? Nizan: O grupo deverá ter uma empresa de eventos. Valor: Essa empresa já tem nome e sócios? Nizan: Não. Eu acredito em meritocracia. Acredito sempre que novos sócios vão vir. Outro dia, eu fui a uma festa comemorar o prêmio Caboré do Guga Valente e era impressionante, nós tínhamos mais de dez sócios ali. Aqueles que performam sempre são recompensados com sociedades em novas empresas. Valor: A Bia Aydar vai ser sua sócia nessa nova empresa? Nizan: Ela já é minha sócia e deverá estar nessa também. Valor: Mas o senhor já esteve nessa área de eventos? Nizan: Nunca. Valor: E o Credicard Hall? Ali deu errado? Nizan: Não, deu super certo. Nossa participação lá foi vendida para os mexicanos. Como investimento, foi fabuloso. Nós éramos apenas sócios investidores. Valor: A idéia é um dia abrir o capital a holding Ypy?

O Brasil vive um momento fabuloso, mas sempre temos de ter um olho no peixe e outro no gato"

Nizan: Isso é corrida de longo prazo. Por que temos de continuar torcendo para o Brasil dar certo, para a bolsa continuar subindo? Porque esse é um dos caminhos de um grupo como esse, à medida que vai ganhando volume. Claro que para esse grupo estar na bolsa vai levar um prazo de seis a oito anos. Tem que triplicar de tamanho. Esse é o desafio. Mas pretensão e água benta cada um pega quanto quer. Valor: E por que acha que o Brasil está dando certo neste momento? Nizan: Eu não sou economista, mas acho que o Brasil tem tido responsabilidade fiscal, absoluta competência na condução da política econômica e têm fatores externos que estão ajudando. Mas acho o seguinte: uma estrela tem que ter estrela. O sucesso é o encontro da competência com a oportunidade. Valor: Acha o Lula competente? Nizan: Acho que ele tem sido extremamente competente. É só ver o quadro que ele encontrou e o quadro que o Brasil vive hoje. Valor: O senhor trabalhou para o José Serra. Arrependeu-se? Nizan: Não. Que bom que eu estava errado. Que bom que o momento está bom. Em relação a campanha do Serra, gostaria de dizer que fiz um trabalho profissional, com muita dedicação. Mas as análises que fiz sobre o governo Lula na época da campanha... que bom que eu estava errado. Empresário não quer ter razão, que ter sucesso. Quero deixar claro que não estou desmerecendo o Serra. Valor: A publicidade cresceu 20% este ano. Dá para manter o ritmo? Nizan: Acho que se o país mantiver o ritmo de crescimento ou aumentar dá para repetir perfeitamente. O Brasil é um grande mercado. Na hora que começa a se mexer, se mexe pra valer. Somos um grande mercado de telefonia, de varejo, de cerveja etc. E por causa de nossas condições geográficas e sociais, a propaganda de massa é fundamental. Não se pode falar do micromarketing num país com as nossas características. É um país de televisão, de jornal, de revista - de cultura de massa. E um dos meios que mais vai ganhar é jornal. Valor: Fala isso para nos agradar? Nizan: Não, eu acho mesmo. A televisão, com exceção do líder, e poucos programas aqui e ali, têm gerado pouco lugar qualificado para a mídia. Isso é fácil de ver. Hoje tem a Rede Globo, alguns momentos de jornalismo de algumas emissoras, e alguns programas específicos, mas em geral temos programas com audiência, mas com pouca qualificação publicitária. Valor: Esses programas não são bons para anunciar produtos populares? Nizan: Isso tudo bem, mas a Mercedes vai anunciar aonde? Na realidade, precisaríamos de uma TV com muita audiência e qualidade de audiência. A TV a cabo, a internet e jornal têm muito espaço para crescer dentro dessa visão de audiência de qualidade. Não adianta ter um programa com dez pontos de audiência, mas que nenhuma empresa quer colocar o produto lá dentro. A audiência do escândalo, por exemplo, o anunciante não quer. É audiência não publicitária. Valor: A audiência do reality show é audiência publicitária? Nizan: Depende. Valor: O programa Aprendiz, do Roberto Justos. Nizan: O Justus tem audiência e não há nada que o desabone. Não estou falando de gosto pessoal. Estou dizendo que a audiência do escândalo não gera publicidade. Valor: As agências têm feito anúncios diferenciados para jornais, às vezes esdrúxulos, que atravessam a página na diagonal ou cobrem metade da capa. Aprova isso? Nizan: Não, acho ruim. Tudo o que interfere demais no meio é ruim. A mídia jornal abre variadas possibilidades. Acho, por exemplo, que uma grande marca poderia patrocinar uma série de grandes reportagens. Não me lembro de a Esso ter interferido no Repórter Esso lá no passado. Acho que pode ter grandes séries patrocinadas por determinadas marcas. Existe uma grande marca de carros off roads que patrocina uma série sobre vida selvagem. Então, tem uma série de coisas que se pode fazer com o meio jornal com muita inteligência sem precisar interferir e sem precisar ser esdrúxulo. O meio jornal ainda é um dos grandes veículos de comunicação para falar com o brasileiro moderno, de escolaridade e de poder aquisitivo. Valor: O anúncio com cheiro, feito para jornal, é da Africa, não? Nizan: É. O jornal propicia uma série de sensações. Uma das tendências da Africa para os próximos anos é ser a agência que melhor trabalha o veículo jornal. Afinal, não se pode procurar ser de vanguarda e consenso. O caminho da vanguarda é solitário. Toda vez que acontece algum fato, a TV pode anunciar primeiro, mas os detalhes e a análise você acha no jornal. Inclusive é um novo tipo de posição. Você lê de uma forma o jornal de domingo e de outra o de segunda. O leitor edita o jornal, vai para determinadas páginas que lhe interessam. E o publicitário tem de compreender isso. Estou fazendo uma série de anúncios só para cadernos de esportes. E os anúncios falam de esporte? Não. Mas eu quero pegar o indivíduo naquele momento da leitura. Acho muito elementar essa coisa de jornal econômico receber anúncios de produtos econômicos. Empresários viajam, dirigem, compram roupa. Valor: Por que alguns anunciantes não gostam dos cadernos de cultura? Nizan: A publicidade tem seus tiques. O hábito não está fundamentado em visão racional. Eu, por exemplo, sempre coloco a meia primeiro no pé direito, mas isso não tem nenhum fundamento científico. É um tique. Então, ao contrário, é por isso que os cadernos de cultura são uma oportunidade. Precisamos olhar a mídia como oportunidade. Vou dar outro exemplo: a madrugada na televisão é uma oportunidade. Existem milhões de pessoas acordadas. Se você for ver numericamente é uma quantidade avassaladora. Sim, é preciso fazer o convencional com competência, mas também aproveitar todas as oportunidades que os outros nichos estão oferecendo. Tentamos olhar as coisas com outro olhar. Uma das coisas mais gostosas é olhar para outra indústria e ver que coisas eles estão fazendo que você pode aplicar na sua. Aí você sai do seu mundo. Valor: Já aplicou algo assim em sua agência?

TV a cabo, internet e jornal têm muito espaço para crescer dentro de uma visão de audiência de qualidade"

Nizan: Vamos fazer a partir do ano que vem. O projeto chama-se Africa Jobs. Nós vamos trabalhar para outras agências. Temos hoje nove clientes e assim queremos ficar. O conceito daqui é ser uma agência com poucos clientes. Valor: Quer dizer que não aceita nenhum outro cliente? Nizan: Não é uma questão de não aceitar. É uma questão de não ter espaço. Continuamos a fazer prospecção porque não sabemos o dia de amanhã. Mas a realidade é que temos nove contas e vamos ficar assim, mas podemos prestar serviços. Uma vez por mês podemos pegar uma encomenda, com um lançamento de um produto. E isso é um absurdo? Não. As empresas de engenharia subempreitam. Digamos que uma agência do interior tenha conquistado uma determinada oportunidade e ela não tem uma estrutura nacional. Ela pode utilizar a estrutura da Africa. Digamos que alguém que está com uma agência há 20 anos, queira uma campanha com um outro olhar, nós vamos trabalhar para a agência, sem vinculo algum com o cliente. A agência é que vai ser o nosso cliente. Isso é coisa que as outras indústrias têm. Valor: Por que se desiludiu da política? Nizan: Não, não é isso. Eu apenas estou voltando para 1994. Entrei em marketing político quando o Geraldo Walter, que era meu sócio, tocava de maneira independente essa atividade. O Geraldo vivia 24 horas de política. Acontece que, aos 42 anos, o Geraldo morreu e eu fiquei com as duas coisas, e elas duas juntas não casam bem. Valor: Pode então abrir empresa para cuidar de marketing político? Nizan: Posso, mas confesso que de todas as áreas da publicidade, o marketing político é a área que menos me encanta. É uma atividade muito exposta, eu não tenho real encantamento por ela. Existem outras áreas da comunicação como geração de conteúdo que são mais atraentes para mim. Valor: Por falar em conteúdo, o senhor deixou a internet ao sair do iG. Decepcionou-se? Nizan: Na internet tudo estava certo a não ser o timing. Você não pode dizer que o iG não tenha sido uma empreitada bem sucedida. É uma empresa que saiu do nada e depois foi vendida por US$ 140 milhões. É uma das líderes da internet brasileira. O que nem o iG e nem uma série de empreendimentos não alcançaram naquele momento foram aquelas estimativas enlouquecidas da época. Mas aí é como fala o Pedro Nava: experiência é um carro com os faróis voltados para trás. Para mim, pessoalmente, o iG é pai da Ypy. Eu estava fora, tinha que fazer uma quarentena, porque era obrigado pela DDB a ficar fora da publicidade por dois anos. Tive a oportunidade de analisar a publicidade de fora, pelo ângulo de quem assina o cheque. Reflexões que eu fiz como cliente me ajudam muito. Vejo coisas como cliente que não via quando era só prestador de serviço. Valor: Pode dar um exemplo ? Nizan: Hoje acho que o título inteligente e criativo é solução, mas quando tem o benefício do produto muito claro. Não invente, coloque o benefício bem claro, bem grande. A torcida não quer gol de placa, ela quer gol. Valor: Vamos falar de alguns de seus clientes. A Assolan chegou a ter 24% do mercado de palhas de aço e perdeu um pouco. A empresa reduziu investimento em publicidade? Nizan: A Assolan foi uma decisão fundamental de preço, porque a Bombril estava queimando preço. E a Assolan preferiu perder um pouco de mercado do que acompanhar a loucura de preços. Mas, para uma empresa que tinha 9% de mercado, estar na casa dos 20% é um grande sucesso. Eles esperam o mercado ter uma política de bom-senso para voltar a investir. Valor: No caso da Cachaça 51. o desafio é vender a marca internacionalmente? Nizan: Um dos meus grandes sonhos é construir grandes marcas brasileiras mundiais. É um dos sonhos da minha geração ver um Brasil que se espalha internacionalmente. O Brasil tem que sonhar o sonho do Gerdau, da Vale, da Votorantim e de uma série de outras empresas que são mundiais. Então, fiquei muito orgulhoso quando eu vi a 51 em Portugal. Nós compramos toda a Eurocopa e a 51 teve uma presença na Eurocopa maior do que a Coca-Cola. Não, não perdão, estou exagerando. Teve uma presença maior que a Nike. Valor: A Vale do Rio Doce tem essa mesma característica: não anuncia quase nada no Brasil. Nizan: Um gigante como a Vale tem que se comunicar com o país, mostrar o que ela é, o que faz. Acho que conseguimos fazer isso de uma maneira muito humana e simpática. Isso foi importante. E mundialmente nós começamos com a Vale anúncios em chinês, japonês, no mundo inteiro. Não devemos ter medo do mundo, o Brasil tem todas as condições. Temos muitos produtos e a 51 é um deles. Valor: No Pão de Açúcar o desafio é tirar a imagem de careiro? Nizan: Nâo, acho que é o contrário. O Pão de Açúcar é uma bandeira de qualidade. Ninguém vira o maior supermercado do Brasil se o consumidor não tiver muitos motivos para fazer compras lá. Ao contrário, as pessoas vão no Pão de Açúcar porque sabem que ele vale cada centavo. É uma decisão de compra. Ele é aspiracional. É um lugar onde as pessoas se sentem bem. Estamos fazendo um trabalho para mostrar que a diferença de preço é em muitos casos menor do que as pessoas imaginam. Valor: O caso Zeca Pagodinho ajudou ou atrapalhou a Brahma? Nizan: É só ver a pesquisa Nielsen. O resultado prático é que a Brahma tem 19,7% e quando nós pegamos tinha 17%. A Nova Schin está concorrendo com a Antarctica. Fica dizendo que vai concorrer com a Skol, mas para isso precisa se qualificar. É como eu dizer que vou concorrer com o Rodrigo Santoro. Valor: Então não vai mais ter embate entre Schin e Brahma? Nizan: Não. A menos que ela se qualifique no Nielsen. Eu não posso fazer nada se ela foi para a segunda divisão. Valor: E a Gradiente, que também é cliente da Africa, como faz para enfrentar japoneses, chineses? Nizan: Marca. Eu sempre digo que a marca é o que os ocidentais podem construir, porque os orientais vão construir o produto. E com os ocidentais vão ficar a marca, o design, as especificações, a diferenciação. A gradiente cresceu em todos os setores.