Título: Para o governo, só dez grandes hidrelétricas devem ter indenização
Autor: Rittner , Daniel
Fonte: Valor Econômico, 13/09/2012, Brasil, p. A4

Apenas dez usinas hidrelétricas de maior porte - acima de 50 megawatts (MW) de potência instalada - com concessões vencendo entre 2015 e 2017 ainda não tiveram seus investimentos completamente amortizados, de acordo com cálculos preliminares do governo, o que pode limitar o pagamento de indenizações às atuais concessionárias para deixar as tarifas de energia mais baratas. Somente a Chesf, subsidiária da Eletrobras, pode ficar com 74% desses pagamentos.

As informações constam de levantamento feito pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e pela PSR, consultoria do engenheiro Mário Veiga, que auxiliou o governo no desenho do pacote recém-anunciado pela presidente Dilma Rousseff. A usina de Xingó, no rio São Francisco, corresponde isoladamente a 54% do parque gerador que ainda não pôde amortizar todos os seus investimentos ao longo dos contratos vigentes. Ela pertence à Chesf e começou a funcionar em 1994.

O levantamento não cita valores, mas faz estimativas sobre a depreciação dessas usinas, com base em seus registros na Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e no tempo de operação comercial delas. O retrato é desfavorável à estatal paulista Cesp, que o governo de São Paulo tenta privatizar há anos, sem sucesso.

Três usinas da empresa estão com suas concessões perto de expirar. A maior delas, Ilha Solteira (3.444 MW), já teve 99,7% de seus investimentos amortizados. Outra, a hidrelétrica de Jupiá (1.552 MW), não tem mais nada a receber. Só a menor usina, Três Irmãos (808 MW), se habilita à indenização. Ela teve até hoje, segundo a consultoria PSR, 68% de seus investimentos amortizados.

O cenário para a Cesp é diferente do traçado pelo secretário de Energia de São Paulo, José Aníbal, que já havia demonstrado preocupação com o cálculo dos ativos da empresa. Mas ele disse esperar, após o pacote anunciado anteontem, o reconhecimento de "bilhões de reais" pela União.

Questionado sobre as contas do governo, Aníbal reagiu com contrariedade. "Esses números não valem de nada. Temos os nossos, que não vamos revelar neste momento, mas são substancialmente diferentes", disse. Ele ressaltou ainda que o cálculo da amortização do governo federal deve levar em conta o valor de construção de uma hidrelétrica e sua geração de energia. "Ilha Solteira vale uma Belo Monte", comparou.

Esse novo panorama pode complicar uma eventual privatização da Cesp, conforme avalia reservadamente uma fonte do governo. Se renovar suas concessões com tarifas mais baixas, sem receber indenizações "bilionárias" em troca, a estatal tende a perder atratividade - as usinas com contratos prorrogados vão receber apenas pelos seus custos de operação e manutenção.

Uma autoridade do setor elétrico em Brasília, que pediu para não ser identificada, atribui a dificuldade em privatizar a Cesp hoje às decisões tomadas no passado. Nos anos 90, quando decidiu vender seus ativos na área de geração de energia elétrica, o governo de São Paulo dividiu a empresa em três. Conseguiu leiloar as usinas no rio Tietê (compradas pela AES) e no rio Paranapanema (adquiridas pela Duke Energy), mas ficou com as hidrelétricas no rio Paraná. "Possivelmente, se tivessem usado os recursos das privatizações para sanear as contas da Cesp, hoje ela estaria melhor e seria possível vendê-la", avalia o funcionário do governo federal.

Para chegar aos valores finais das indenizações, o governo deverá levantar os custos para a construção de uma usina semelhante, a preços atuais. Estão sendo atualizados os custos de obras civis e de equipamentos, como turbinas.

Ao todo, 24 das 77 usinas - hidrelétricas e térmicas - com concessões expirando entre 2015 e 2017 ainda têm algum investimento para amortizar, mas só dez têm potência superior a 50 MW. A lista dos ativos "integralmente depreciados" abrange 53 empreendimentos e unidades como as hidrelétricas de Maribondo (de Furnas, com 1.440 MW, entre Minas Gerais e São Paulo), de Moxotó (da Chesf, com 400 MW, em Alagoas), de Três Marias (da Cemig, com 387 MW, em Minas Gerais), de Capivari/Cachoeira (da Copel, com 260 MW, no Paranpa), e de Jacuí (da CEEE, com 180 MW, no Rio Grande do Sul).

Na terça-feira, durante solenidade no Palácio do Planalto e em palestras de autoridades do setor elétrico com as empresas, o governo havia anunciado que as medidas para a prorrogação das concessões afetavam 20 contratos de geração. Na verdade, são 77 usinas com concessões vencendo entre 2015 e 2017. Os contratos de hidrelétricas poderão ser renovados por 30 anos; os de termelétricas, por mais 20 anos.

As atuais concessionárias têm até 30 dias, contados a partir de ontem, para apresentar formalmente seus pedidos de prorrogação à Aneel. O governo trabalha com a perspectiva de gastar cerca de dois meses para a elaboração dos novos contratos, permitindo que toda a redução das tarifas esteja vigorando a partir do dia 5 de fevereiro de 2013. É bastante provável que, para atender a esse cronograma, as empresas protocolem suas solicitações à Aneel sem saber se serão indenizadas ou não - e em quanto. Mas elas ainda poderão, mais adiante, desistir de assinar os contratos.

Se isso ocorrer, as atuais concessionárias poderão ficar à frente das usinas até o vencimento dos contratos, com a tarifa praticada atualmente. Só a partir do fim das concessões, entre 2015 e 2017, o governo faria licitação para substituir essas empresas.

Para terem seus contratos prorrogados, as hidrelétricas deverão receber uma tarifa perto de R$ 30 por megawatt-hora, menos da metade do preço de projetos de grande porte licitados recentemente. O leilão de Santo Antônio, no rio Madeira, ocorreu no fim de 2007 e o grupo vencedor ofereceu tarifa de R$ 78,90. Em 2010, a usina de Teles Pires foi arrematada com tarifa de R$ 58,36. Esses valores não embutem atualização pelo IPCA. (Colaborou Guilherme Soares Dias, de São Paulo)