Título: Investidor reage mal; elétricas desabam
Autor: Viri , Natalia
Fonte: Valor Econômico, 13/09/2012, Brasil, p. A5

As regras duras impostas pelo governo federal para a renovação das concessões de elétricas e a aversão dos investidores ao risco político resultaram em um massacre nas ações das companhias do setor na bolsa. Só no pregão de ontem, as empresas que compõem o Índice de Energia Elétrica (IEE) perderam, juntas, R$ 14,5 bilhões em valor de mercado.

Para Cesp e Companhia de Transmissão Paulista (Cteep), as mais prejudicadas pelo pacote, foi o pior pregão da história, superando de longe o pânico dos investidores durante o apagão de 2001 e as mudanças na regulatórias enfrentadas no ano seguinte. As ações preferenciais classe B da Cesp caíram impressionantes 27,53%, para R$ 20,11, enquanto os papéis sem direito a voto da Cteep levaram um tombo de 24,06%, para R$ 30,30 - variações que não se viam nas companhias que compõem o Ibovespa desde a crise de 2008. Outra empresa que apanhou forte foi a Cemig, cujas ações preferenciais recuaram 19,71%, para R$ 25,29, no maior recuo em 14 anos.

As condições impostas pelo governo para a renovação das concessões pegaram o mercado de surpresa. Os investidores já esperavam que houvesse uma redução no teto tarifário, refletindo a parcela menor de investimentos que já foram remunerados ao longo do período das licenças. Mas três pontos fizeram com que o cenário fosse muito mais negativo para as companhias do setor do que o inicialmente esperado pelo mercado.

O primeiro deles diz respeito ao prazo de vigência das novas tarifas, que já passarão a valer em 2013 e não apenas depois de 2015, como se estimava anteriormente, o que implica receitas mais magras já no próximo ano.

O segundo é a inclusão das concessões que vencem pela primeira vez - e que o mercado esperava que fossem renovadas automaticamente - na negociação. Esse foi o principal fator por trás na queda da Cemig. A expectativa é agora que algumas concessões da empresa, que a princípio não seriam alteradas pelo pacote, também sofram com a redução tarifária,

segundo o Bradesco BBI.

O ponto mais polêmico, no entanto, diz respeito à indenização que será paga às companhias pelos investimentos que ainda não foram amortizados, que deve ser muito menor do que o que as empresas esperavam. A decisão final sobre o valor dessas indenizações só deve sair ao fim de novembro, prolongando a agonia do setor na bolsa. "O mercado atribuía pouca chance de um cenário tão pouco favorável para as elétricas", resumiram os analistas do Credit Suisse em relatório divulgado aos clientes.

As ações da Eletrobras, que também está sujeita às renovações, não foram tão penalizadas: os papéis ordinários da estatal caíram "apenas" 4,72% ontem. Um estudo divulgado pela consultoria PSR, que assessorou o governo na elaboração do novo modelo, mostra que a companhia deve receber cerca de 80% das indenizações do governo.

As inúmeras incertezas e as novas regras de avaliação de ativos fizeram com que os analistas de mercado rasgassem os modelos utilizados para estimar os fluxos de caixa e o preço justo das ações. Sem parâmetro, os investidores operaram o dia todo no escuro, o que contribuiu para as quedas recordes no pregão de hoje.

A metodologia utilizada pelo governo para remunerar os ativos que ainda não foram amortizados, chamada de "valor novo de reposição", difere da utilizada pelas empresas e pelos analistas, que consideravam o valor contábil da base de ativos regulatórios. A tendência é que, sob a nova regulação, as empresas tenham que reavaliar para baixo os ativos não amortizados, o que deve provocar um rombo na linha final do balanço - e, consequentemente, dividendos mais baixos.

Outra surpresa, na avaliação dos analistas do Credit Suisse, foi o fato de o governo ter julgado que toda a base de ativos das transmissoras de energia já está depreciada e que, portanto, não será indenizada. "Esses fatores tornaram nossas projeções para o valor de reposição dos ativos de empresas como a Cteep totalmente inúteis", ressaltaram.

Na mesma linha, o Bradesco BBI colocou suas estimativas para Cemig, Cesp, Cteep e Eletrobras em revisão, principalmente por conta das dúvidas em relação à indenização que o governo pagará às empresas pelos ativos não amortizados.

"O mercado está perdido, sem saber o que vai estar dentro de cada empresa no próximo ano. Não dá pra balizar se os investidores estão exagerando na queda, porque a gente simplesmente não sabe o valor", afirmou um profissional do mercado.

Para além das incertezas, a aversão à ingerência política deve seguir ditando o tom do desempenho dos papéis, afirma Marcelo Sá Earp, sócio da First Value Capital. "O objetivo pode até ser nobre, que é reduzir o custo de produção industrial no Brasil e controlar a inflação, mas a forma como o governo agiu gera muita incerteza", diz, referindo-se à decisão de recorrer a uma medida provisória para alterar a lei de forma unilateral.

Pelas oscilações dos papéis das elétricas no pregão de ontem, continua Earp, aparentemente não houve diálogo com as partes interessadas, tanto empresas como acionistas minoritários. "O governo esquece que o acionista é também o pequeno poupador, que investe em ações via fundos de dividendos, pensão, planos de previdência?", questiona. E vai além: será que o benefício da economia para o consumidor, estimada em R$ 7,6 bilhões, compensa a destruição de valor das ações em bolsa?

O episódio, na opinião do gestor, só reforça a percepção recente de aumento do intervencionismo do governo no mercado, que saiu do universo da Petrobras, atingindo a Vale, depois os bancos e agora o setor elétrico, pegando de raspão todas as empresas detentoras de concessões públicas. O grande problema agora, na opinião de Earp, é que os investimentos em infraestrutura em setores regulados ou via parcerias público-privadas, por empresários brasileiros e estrangeiros, podem ficar comprometidos por conta do risco de mudança de regra no meio do caminho.