Título: Lula numa encruzilhada
Autor: Valor Online
Fonte: Valor Econômico, 07/02/2007, Brasil, p. A2

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem pelo menos três problemas para resolver antes de montar o seu novo ministério. O primeiro deles diz respeito a seu partido, o PT. O outro é acomodar o PMDB depois que uma ala do partido, a que não está no governo, foi fundamental para a vitória do PT em disputas políticas recentes. O terceiro é curar as feridas dos aliados históricos no PSB, PC do B e PDT. Diante desses desafios, ensina um interlocutor com PhD em Lula, é bem provável que o presidente adie novamente a escolha da equipe.

No PT, a preocupação do presidente, manifestada a assessores após a vitória de Arlindo Chinaglia (PT-SP) na Câmara, é a exigência do partido por um espaço ainda maior no governo. O plano de Lula é justamente o oposto disso. Na sua avaliação, o PT está no auge. Tem o presidente da República, retomou o comando da Câmara e, mesmo com a imagem arranhada por escândalos em série, elegeu a segunda maior bancada na Câmara e cinco governadores.

Repercutiu muito mal no Palácio do Planalto entrevista dada pelo deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP) à Folha de S. Paulo. Articulador da candidatura de Chinaglia à presidência da Câmara, o deputado afirmou que o PT está "subrepresentado" no governo e deixou claro que a nomeação da ex-prefeita Marta Suplicy para o ministério é uma imposição do partido.

Marta já era, antes da eleição na Câmara, candidata natural a uma vaga importante no ministério de Lula. Vitoriosa nas eleições de 2006 - ajudou o presidente em São Paulo e elegeu uma bancada própria de seis ou sete deputados federais -, a ex-prefeita irritou-se com o ultimato feito em seu nome. Sabe que isso a prejudica porque se tem uma coisa que Lula detesta são ultimatos. "A Marta pode ser a primeira vítima do apetite do PT por poder", diz um conselheiro, petista, do presidente. Lula, conta ele, vai chamar o partido e dizer: "Menos, PT, menos...".

Vacarezza também defendeu que o PMDB que ajudou a eleger Chinaglia - tendo à frente os deputados Michel Temer (SP) e Geddel Vieira Lima (BA) - seja premiado por Lula com nacos de poder. Ele insinuou que o PMDB dos senadores José Sarney (AP) e Renan Calheiros (AL), instalado no governo desde o primeiro mandato de Lula, é menos representativo e, portanto, tem direito a um espaço menor no governo que o outro.

A situação é complicada porque Sarney e Renan sempre operaram para que uma aliança mais ampla do governo com o PMDB não sucedesse. Interessado em contar com o apoio mais abrangente possível do partido, o presidente Lula sabe que, para acomodar o PMDB que está fora do poder, não pode desalojar o que está dentro. O problema é que, mesmo num ministério de 35 pastas, faltam vagas para agradar a todos os interessados. "Quem ganhou, na disputa da Câmara, não foi a dupla Renan-Sarney. O presidente chancela isso ou não? O PMDB, portanto, é um problema de difícil solução", diz uma fonte bem informada de Brasília.

A terceira questão que o presidente terá que enfrentar diz respeito aos partidos de esquerda da sua base de apoio. PSB, PC do B e PDT saíram machucados da disputa na Câmara. "Eles ficaram no canto da sala", diz um amigo de Lula. Pensando em 2010, quando Lula não estará mais no páreo, o PT optou por aliar-se ao PMDB e aos partidos mensaleiros para vencer a disputa na Câmara. Agora, pretende impor ao presidente a idéia de que a aliança PT-PMDB deve compor o núcleo do governo.

Uma das conseqüências desse movimento é que, se o bloco de esquerda da base aliada ficar isolado, o deputado Ciro Gomes (PSB-CE), um candidato natural à sucessão de Lula, não será uma opção em 2010. "O presidente sabe que terá que fazer um carinho para os aliados da esquerda", diz um conselheiro.

-------------------------------------------------------------------------------- Montagem da equipe pode atrasar ainda mais --------------------------------------------------------------------------------

Tudo isso dificulta a composição do ministério. Até agora, diz um aliado de Lula, a delonga na escolha dos ministros foi benéfica para o presidente, mas, se perdurar, lhe trará prejuízos. O governo ganhou a eleição presidencial e o comando do Congresso, montou maioria nas duas Casas, mas todo o mundo está insatisfeito. O desgaste é previsível.

Para completar, o ministro das Relações Institucionais, Tarso Genro, enredou-se numa confusão com o PT por não saber, na avaliação de um petista importante, "ler" os sinais de Lula. Virtualmente escolhido para ser o novo ministro da Justiça, Genro começou a articular a "refundação do partido", sabendo que o presidente apóia a idéia, mas ignorando que nem ele nem Lula poderiam colocar o carimbo do governo na empreitada.

O presidente deixou que Genro trabalhasse a idéia, que considera "sadia", afinal, é importante diminuir o ímpeto do PT paulista, mas imaginou que o projeto seria encampado por petistas de fora de São Paulo. Os governadores Marcelo Déda (Sergipe) e Jaques Wagner (Bahia), por exemplo. "O Tarso caiu na do Lula. Ele entendeu errado o presidente", aposta um petista, lembrando que não foi a primeira vez que isso aconteceu. Nos idos de 1998, quando, para testar o PT, Lula declarou que não queria ser candidato à presidência, Genro lançou-se como alternativa, criando um embaraço para si próprio.

Para fazer o que fez no episódio recente, Genro teria que dispor de um grupo forte de apoio no partido. "Ele está sozinho. Não é como o José Dirceu, que tinha (tem) uma máquina no PT. Se você não tem uma franja de articulação, a cúpula do partido reage de forma violenta", ensina um petista experiente.

Segundo essa fonte, Genro cometeu o mesmo erro quando defendeu a "refundação" à época em que presidiu o PT em 2005. Ele não entendeu, diz esse observador, que o fato de ter sido alçado à presidência do partido, em meio à crise ética que assolava o governo e a sigla, já significava a refundação do PT.

O saldo de toda essa confusão para o país é um governo, no mínimo, incompleto. Há quase um ano, ministérios importantes são administrados por interinos. O impacto disso sobre a execução de políticas públicas, especialmente as de caráter permanente, não deve ser desprezível.

Cristiano Romero é repórter especial em Brasília e escreve às quartas-feiras

E-mail cristiano.romero@valor.com.br

Cristiano Romero é repórter especial e escreve às quartas-feiras.