Título: Os danos sociais da lavagem de dinheiroOs danos sociais da lavagem de dinheiro
Autor: Basile , Juliano
Fonte: Valor Econômico, 13/09/2012, Política, p. A15

O domínio dos elementos de prova não é apenas essencial para estabelecer o nexo causal entre ação e resultado e o conhecimento do dolo (em uma palavra, a intenção de violar as normas penais), serve também para que as decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) sejam verdadeiramente bem fundamentadas e o Poder Judiciário cumpra suas funções na consolidação de nosso modelo de Estado. No recente embate de teses ocorrido no Supremo, os ministros têm se empenhado em prospectar as provas gerando o saudável hábito da controvérsia, do debate entre teses de acusação e a sua contradição.

É saudável porque permite superar o "espetáculo" e reagir ao escândalo provocado pelo caso do mensalão de forma séria e por uma organização Judiciária igualmente séria. Com isso, vai se cultivando em nossa sociedade a ideia de que a condenação ou a absolvição em um processo penal não é julgada assim sem mais.

Já desde o jusfilósofo alemão Gustav Radbruch se sabe que todo juiz penal é acometido pela "consciência pesada". Se ele condena, está movendo a violência do Estado para restringir a liberdade de um sujeito. Absolvendo, o juiz penal deixa a sociedade indefesa frente ao crime e carrega nos ombros a "sensação de impunidade" que lhe fazem pesar os cidadãos.

Na lavagem de dinheiro o julgamento penal é ainda mais enredado. Nem bem se tem como precisar o que de fato deve o direito penal proteger. De modo um pouco mais técnico - e apropriado - do que a tutela da "carência de Justiça" dos cidadãos, os penalistas dividem-se quanto ao bem jurídico a que se destina: a saúde pública (especialmente no caso do narcotráfico como antecedente); a administração da Justiça; a ordem econômica e tão logo o desenvolvimento econômico ou os incentivos ao livre funcionamento do mercado; ou ainda o combate ao "desafogo financeiro", práticas que comprometem a livre circulação de bens no mercado e afetam diretamente a lealdade da concorrência e seus ideais de transparência, vale dizer, o assim chamado Novo Mercado.

Se é o caso de apenas um deles, de múltiplos ou até de nenhum desses "bens jurídicos", o certo é que o tratamento penal da lavagem de dinheiro mereceria mais cuidado a partir de sua danosidade social. Os mecanismos de lavagem se infiltram na dinâmica da sociedade para potencializar com dinheiro as associações ilícitas e, além de promover instituições políticas de duvidoso caráter democrático na sociedade, expõem tanto ao perigo de drástica redução da receita e sua capacidade redistributiva quanto a estados de instabilidade econômica que só fazem elevar a precariedade de setores menos privilegiados da sociedade.

A danosidade social poderia muito bem fundamentar a razoabilidade das acusações sobre a lavagem de dinheiro, argumento suficiente para comandos normativos de prevenção à criminalidade econômica. Mesmo assim, ela não justifica uma interpretação extensiva das condenações, de tal forma que o julgamento não pode prescindir da apuração sobre a efetiva participação dos acusados nos mecanismos de lavagem, real auxílio das instituições financeiras em comportamento negocial não usual às práticas de mercado ou a verossimilhança entre os desvios de recursos e a demonstração dos seus benefícios.

Seja uma política de combate afeita aos impulsos morais contra a lavagem, seja uma postura mais restritiva, a "consciência pesada" do Supremo no julgamento do mensalão poderia ser um importante caminho para a implementação de medidas institucionais que levassem mais adiante as consequências dessa decisão, especialmente o reforço do plano nacional de recuperação de ativos, a promissora medida de captura dos proveitos da lavagem de dinheiro. Essa é a expectativa que fica se realmente nos propusermos à redução da danosidade social da lavagem.

Eduardo Saad-Diniz é professor doutor da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FDRP/USP)