Título: UE quer retomar Doha no próximo ano para evitar adiamento para 2009
Autor: Moreira, Assis
Fonte: Valor Econômico, 18/10/2006, Brasil, p. A2

A União Européia (UE) vai fazer "tudo que é possível" para retomar a Rodada Doha no começo de 2007, porque do contrário a negociação só será retomada em 2009 e em novas bases, afirmou ontem a comissária européia da Agricultura, Mariann Fischer Boel. Ao participar do Congresso de Agricultores Europeus, ela conclamou o setor a enfrentar o "desafio da competitividade" porque haverá "ajustamentos" na Política Agrícola Comum (PAC) com ou sem rodada de negociação na Organização Mundial do Comércio (OMC).

Mariann Fischer Boel enfrentou um auditório, ontem em Estrasburgo, que está longe de ser-lhe favorável. Boa parte dos líderes agrícolas europeus acha que ela é fraca diante de Peter Mandelson, o comissário europeu de Comércio, e não defende a fortaleza européia como eles esperam. Os agricultores dizem ter mantido contato com seus colegas americanos e concluído que, de fato, Washington não está pronto a se mover nem agora nem mais tarde.

A comissária não perdeu a calma e nem poupou ironias. Após saudar o presidente da confederação Copa-Cogeca, que "está sempre às minhas costas", Mariann Fischer Boel agradeceu aos organizadores por ter programado sua participação para antes do almoço porque seu tema - concorrência -, "é uma palavra que causa indigestão a algumas pessoas nas conferências agrícolas".

A comissária insistiu que a UE não pode evitar o desafio de melhorar sua competitividade. "É também competir ou sair do jogo", avisou. Primeiro, por pressões internas: quando outros setores econômicos fazem enormes esforços de reestruturação, os contribuintes não estão dispostos a gastar amplas somas para a agricultura simplesmente para esconder falta de concorrência.

Além disso, há as pressões externas, com a Rodada Doha, que abrirá mais os mercados. Avisou que a negociação na OMC está apenas suspensa, e que é de todo interesse da UE conclui-la, senão perde oportunidade de forçar os EUA a também reformar sua agricultura.

Mariann Fischer Boel foi cuidadosa sobre o futuro da PAC. Ela inventou o conceito de "balanço de saúde" da política agrícola européia, a ser realizada em 2007, para irritação de alguns líderes. Para eles, isso significa admitir que o setor está doente. A comissária reage dizendo que quer discutir os "ajustes" a serem feitos, para simplificação burocrática, por exemplo. "Mas se mudanças (profundas) forem necessárias, é tempo de pensar desde já", advertiu.

A UE vai prosseguir com reformas dos setores de vinho, banana, frutas e vegetais, continuará dando subsídios para modernização, mas também avisa que há "margem" para cortes futuros.

O auditório reagiu com frieza, mas com educação. O presidente da confederação Copa-Cogeca, Rudolf Schwarzbock, disse que "concorrência não é palavrão, mas os agricultores esperam um ambiente equilibrado e condições para isso". Outros líderes retrucaram que a agricultura européia melhorou em 3,5 vezes a produtividade em 30 anos com o modelo que está sendo alvejado atualmente.

Outros delegados pediram para a UE retroceder na Rodada Doha, quando retomada, porque a proposta original européia, de corte de 39% nas tarifas de importação, já causaria uma perda de 20 bilhões de euros para os agricultores do velho continente. A comissária retrucou que até novembro não ocorrerá nada na OMC, por causa da eleição americana. Se no começo do ano não der para retomar a negociação, acha que então só com nova administração nos EUA dois anos depois e aí será uma nova rodada.

Embora insista no interesse europeu em retomar a negociação, a comissária reafirmou que todas as ofertas feitas em julho pela UE na OMC, como o corte de 50% nas tarifas, já foram retiradas, pois os americanos e outros parceiros não deram contrapartida. E prometeu que vai se manter firme nessa posição, "senão quando voltar aqui ano que vem vocês me assassinam. Só os ministros de Relações Exteriores podem mudar o mandato", comentou.