Título: Guerra cambial continua
Autor: Verdini, Liana
Fonte: Correio Braziliense, 13/11/2010, Economia, p. 15

Reunião dos líderes das 19 maiores economias do mundo e da União Europeia termina sem que países cheguem a estratégia comum

A o não condenar enfaticamente os movimentos artificiais de moedas e nem adotar um movimento coordenado para as medidas em reação à intensa desvalorização do dólar, a Cúpula do G-20 ¿ grupo que reúne as 19 maiores economias do planeta além da União Europeia ¿ manteve abertas as portas para a guerra cambial que atormenta o mundo.

Também sentenciou a atual política do cada um por si.

Quem quiser pode adotar medidas de controle sobre o fluxo de capitais estrangeiros em seus sistemas financeiros para proteger a cotação de suas moedas de uma alta capaz de tornar suas exportações pouco competitivas.

Além de não afastar de maneira definitiva a ameaça de uma guerra cambial, foi adiada para o fim do próximo ano a conclusão de uma análise sobre os grandes desequilíbrios da economia global, que pode levar de maneira indireta à correção no valor de determinadas moedas, em especial, o iuan chinês.

¿O texto final é muito parecido com o que foi divulgado ao fim da reunião de ministros de Finanças em outubro¿, avaliou Raphael Martellos, economista da Tendências Consultoria Econômica. ¿Na questão que demandava um posicionamento, o da guerra cambial, foi justamente onde não houve avanços.¿ Para ele, foi uma declaração de princípios, não de políticas.

A economista-chefe da Rosenberg e Associados, Thaís Marzola Zara, considerou que o encontro não foi capaz de reduzir os desequilíbrios que estão sendo exportados pela China e pelos Estados Unidos. ¿Esses dois países estão na origem do problema, com suas moedas depreciadas¿, afirmou. ¿O risco que corremos é de o protecionismo crescer a ponto de afetar o comércio internacional, reduzindo os volumes como um todo.¿

Apelo O presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez um apelo para que o bloco melhore a coordenação das políticas econômicas entre os países ricos, para evitar prejuízos às nações mais pobres. ¿Não existem mais decisões unilaterais na economia mundial¿, já que é preciso considerar ¿a repercussão em outras economias¿, disse Lula aos outros líderes do G-20.

¿Qualquer decisão que a Argentina tome, ou que o Brasil tome, terá efeitos imediatos nos países vizinhos.

Imaginem potências econômicas como a União Europeia, os Estados Unidos ou a China, tomando posições unilaterais sem levar em conta a repercussão no resto do mundo.¿

Em comunicado assinado no fim da reunião, a quinta desde o início da crise financeira em 2008, havia um pouco de tudo. Os líderes se comprometeram a avançar para taxas de câmbio determinadas pelo mercado e evitar desvalorizações com fins competitivos. Para contemplar os países emergentes, o G-20 aceitou a imposição de medidas de controle ¿cuidadosamente estabelecidas¿. E todos concordaram que há uma janela de oportunidade para concluir a Rodada de Doha.

¿O acordo de Seul é melhor do que desacordo¿, disse o presidente francês, Nicholas Sarkozy, que assume a Presidência do grupo em 2011. ¿O trabalho que nós fazemos aqui nem sempre parecerá dramático¿, disse o presidente dos EUA, Barack Obama, depois da cúpula.

PRINCIPAIS PONTOS DO COMUNICADO FINAL

Câmbio » As economias devem se mover no sentido de um sistema de taxas de câmbio mais determinado pelo mercado, flexíveis;

» Os países devem abster-se de desvalorizações competitivas de moedas;

» As economias avançadas, incluindo aquelas com moedas de reserva, permanecerão vigilantes às oscilações excessivas e aos movimentos desordenados das taxas de câmbio. Essas ações ajudarão a reduzir o risco de brusca volatilidade nos fluxos de capitais que alguns países emergentes enfrentam.

Controle de capitais » Alguns desequilíbrios estão alimentando a tentação de se adotar, unilateralmente, soluções globais, levando a ações descoordenadas. No entanto, ações políticas descoordenadas levarão apenas a resultados piores para todos. Ou seja, ao não proibir o controle de capitais, o G-20 deixou as portas abertas para esse tipo de medida.

Comércio exterior » O G-20, com apoio técnico do FMI, desenvolverá guias de orientação compostos por uma variedade de indicadores que ajudem a identificar desequilíbrios comerciais importantes, que requerem ações preventivas e corretivas;

» Os países resistirão ao protecionismo sob todas as formas.

Sistema financeiro mundial » Aprovado acordo para as novas regras o reforço de capitais dos bancos. A medida prevê, sobretudo, o aumento das exigências em termos de fundos próprios, liquidez, endividamento e provisões, para permitir que os bancos de importância sistêmica resistam melhor a uma eventual nova grande crise.

Reforma do FMI » O comunicado também respaldou, como esperado, a reforma do Fundo Monetário Internacional, que concedeu a economias como China e Brasil maior peso nas decisões do organismo.

Resposta aos EUA O presidente chinês, Hu Jintao, aproveitou a cúpula do G-20 em Seul para insistir que os Estados Unidos adotem ¿políticas responsáveis¿ e mantenham estável o dólar. A declaração representa uma inversão dos papéis depois de a China ter sido alvo, durante muito tempo, de críticas americanas por causa de seu sistema de câmbio fixo.

¿Os principais países emissores de divisas devem aplicar políticas econômicas responsáveis, garantir a estabilidade das taxas cambiais¿, declarou Hu Jintao, diante dos demais líderes mundiais, entre eles o presidente norte-americano, Barack Obama.

O mandatário chinês criticou com dureza a decisão do Federal Reserve, o Banco Central americano, de injetar US$ 600 bilhões no mercado financeiro.

Para a China e para a América Latina, essa nova remessa de dólares é uma ameaça, já que poderá dirigir-se de forma maciça para os mercados emergentes em busca de melhores rendimentos do que os oferecidos pelos Estados Unidos, provocando bolhas especulativas.