Título: Proteção tarifária tende a ser ineficaz para a indústria
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 13/09/2012, Opinião, p. A18

A decisão do governo de erguer uma barreira tarifária contra a importação de cem produtos para melhorar a balança comercial e dar nova dose de estímulo à indústria nacional pode ser um tiro pela culatra.

Anunciada na semana passada, a medida elevou para até 25% a alíquota de importação desses produtos, principalmente semimanufaturados e componentes, ficando portanto abaixo do teto de 35% admitido pela Organização Mundial do Comércio (OMC) para artigos industrializados. Mas tem tudo para despertar a crítica e uma eventual retaliação da comunidade internacional, particularmente sensível neste momento de crise, sem produzir os efeitos desejados.

Já na semana passada, a União Europeia havia "lamentado profundamente" a elevação de tarifas pelo Brasil. Ontem foi a vez de o embaixador americano na OMC, Michael Punke, acusar o Brasil - e também a Argentina - de quebra de compromisso internacional por causa da elevação das barreiras às importações. Punke declarou que os Estados Unidos estão "extremamente preocupados" e que a atitude do Brasil complica ainda mais os esforços para desbloquear a Rodada Doha. Os EUA devem discutir a decisão brasileira em algum comitê regular na OMC para marcar sua posição.

Os cem produtos cuja importação foi desestimulada pela elevação das tarifas de importação por 12 meses, prorrogáveis por igual período, representaram apenas 3,8% das compras externas feitas pelo Brasil de janeiro a julho deste ano, somando US$ 4,9 bilhões. Nesses sete meses, a importação desses produtos até caiu 4%, em média, em comparação com igual período de 2011, mas o total importado pelo país cresceu 3%. Enquanto as importações de alumínio e suas obras e produtos químicos tiveram queda de 25% e 26%, respectivamente; as de tijolos e borracha sintética cresceram 27% e 29%.

O governo defende a decisão, argumentando ter analisado o comportamento das importações em um prazo mais longo e levado em conta a ociosidade da indústria. A decisão foi anunciada pouco depois da divulgação da balança comercial com saldo comercial de US$ 13,2 bilhões de janeiro a agosto, período em que as exportações recuaram 4,8%, apesar da desvalorização de quase 20% do real frente ao dólar, e as importações diminuíram 0,7%.

No entanto, vários dos produtos protegidos pela barreira tarifária têm como segundo ou terceiro maior fornecedor fabricantes do Mercosul, que podem vender ao Brasil pagando as alíquotas menores anteriores. Dessa forma, a indústria nacional não ocupará necessariamente todo o espaço da importação. No segmento de plásticos e suas obras, o de maior peso no pacote, com 20 produtos cujas importações somaram US$ 1,1 bilhão nos primeiros sete meses do ano, para os quais a tarifa saltou de 2% para 25%, a Argentina é o segundo maior fornecedor externo, depois dos EUA. O país vizinho pode ganhar espaço também em pneus pois já é o quarto maior fornecedor, depois da Coreia do Sul, Japão e China.

No caso de partes e peças de calçados, cuja alíquota de importação foi elevada de 18% para 25%, o Paraguai é o segundo maior fornecedor de cabedal, depois da China. A lista não para por aí. Fio-máquina, cuja alíquota majorada de 12% para 22% deve abalar as vendas da Turquia para o Brasil, continuará sendo comprado da Argentina.

Há a situação inusitada de três resinas plásticas, muito utilizadas em embalagens de alimentos, produtos de limpeza, saúde e construção civil, que tiveram a alíquota de importação elevada apesar de terem apenas um único fabricante nacional.

São situações como essa que alimentam o receio de que a elevação da alíquota de importarão irá encarecer insumos muito utilizados na cadeia de produção da indústria, com inevitável repercussão na inflação. O governo já ameaçou reverter a medida caso os preços subam. Mas mais cem produtos terão a alíquota elevada em outubro.

Pior do que isso, porém, é o caráter aleatório e paliativo da medida, que carrega a mesma imagem de remendo da redução temporária do IPI e da desoneração da folha de pagamento que beneficiaram alguns setores da economia. A elevação temporária das alíquotas de importação até faria sentido se medidas mais sérias de ataque às causas da falta de competitividade da indústria nacional fossem tomadas durante sua vigência.