Título: Mitos e verdades sobre o investimento público ::
Autor: Gerardo , José Carlos
Fonte: Valor Econômico, 13/09/2012, Opinião, p. A18

Em períodos de baixo crescimento do PIB, alardeia-se que a solução para todos os males viria da elevação dos investimentos. A importância desse indicador decorre de seu duplo papel. Representa um importante componente da demanda agregada e aumenta a capacidade produtiva da economia no longo prazo, ou seja, estimula o crescimento, pela perspectiva da demanda e amplia a competitividade da economia, sob a ótica da oferta.

Os investimentos do setor privado elevam o potencial produtivo futuro, que no setor industrial é expresso, por exemplo, pela ampliação do número de fábricas. O investimento público contribui para o crescimento do PIB por meio da melhoria da infraestrutura.

Há, no entanto, várias questões quanto ao investimento público que devem ser desmistificadas e algumas perguntas a serem respondidas calcadas em evidências empíricas e não apenas na retórica.

Apenas 30,3% dos investimentos da União foram destinados à infraestrutura no período 2002-2011

Esse indicador é comparável entre países e ao longo de amplos espaços de tempo no mesmo país? Afinal, qual o conceito de investimento público está sendo utilizado? O investimento público comporta-se, de fato, como uma despesa não recorrente? E quanto a natureza anticíclica desses gastos públicos, produzem os efeitos almejados?

Inicialmente destaca-se que a comparação do investimento entre países e ao longo do tempo é inadequada, mesmo utilizando idêntico conceito de investimento público, pois a estrutura institucional é fundamental na mensuração dos investimentos. A moldura institucional de cada país é diferente e pode ter se alterado ao longo do tempo, havendo, portanto, apenas a troca da contabilização dos investimentos no setor público ou privado dependendo do movimento estatizante ou privatizante ocorrido no período.

Dada a polissemia do termo "investimento público" ressalta-se que foi utilizado como critério de sua apuração uma proxy, nos moldes da metodologia do IBGE, que considera apenas o Grupo de Natureza de Despesa 4, classificados como Investimentos na Contabilidade Pública, que equivale à Formação Bruta de Capital Fixo da Administração Pública (FBCF) na classificação das Contas Nacionais.

O investimento público anual, realizado no período 1995-2011, alcançou 1,92% do PIB. Deste total a União financiou o equivalente a 0,73%, os Estados 0,66% e os municípios, os demais 0,53%. No entanto, pela perspectiva do executor do investimento - conhecido, no jargão técnico, como modalidade de aplicação 90 - a União realizou, no período, apenas 0,4% do PIB dos investimentos públicos, enquanto os Estados efetuaram 0,69% - tendo recebido transferências líquidas da União e dos municípios equivalente a 0,04% -, os municípios 0,77% - obtendo transferências de 0,24% - e a instituições privadas - modalidades de aplicação 50 e 60 - os restantes 0,06% do PIB.

O investimento público atingiu o maior patamar no segundo governo Lula (2007-2010) - 2,22% do PIB ao ano, em média - devido aos investimentos executados pelos Estados, 0,82%, seguido pelos municípios, 0,79%, da União, 0,53% e instituições privadas, 0,07% do PIB.

O menor nível de investimentos públicos ocorreu no primeiro governo FHC (1995-1998) - 1,82% do PIB - devido à reduzida execução dos Estados, 0,55%, da União, 0,40%, e das instituições privadas, 0,03%, a despeito do elevado patamar executado pelos municípios, 0,84% do PIB.

No segundo governo FHC (1999-2002) o total de investimentos foi ligeiramente abaixo do primeiro governo Lula (2003-2006) - 1,84% e 1,86% do PIB, respectivamente. A principal diferença, entre os dois períodos, está na baixa execução dos investimentos da União no primeiro governo Lula, 0,29%, enquanto os Estados - com 0,72% -, os municípios - 0,79% - e as instituições privadas, 0,06%, contribuíram para que este atingisse 1,86% do PIB. Já no segundo governo FHC a execução dos investimentos nos municípios foi de 0,73%, seguido dos Estados 0,73%, da União 0,35%, e de instituições privadas, com 0,06% do PIB.

No ano de 2011, primeiro ano do governo Dilma, o total de investimentos foi de R$ 85,7 bilhões, o equivalente a 2,07% do PIB. Deste total a União financiou R$ 39,5 bilhões - 0,95% do PIB - os Estados R$ 28,7 bilhões - 0,69% do PIB - e os municípios R$ 17,5 bilhões, ou 0,42% do PIB.

A execução direta dos investimentos, no entanto, revela que apenas R$ 24,4 bilhões - 0,59% do PIB - foi aplicada pela União. Os municípios executaram R$ 28,3 bilhões - 0,7% do PIB -, os Estados R$ 30,2 bilhões - 0,73% do PIB e as instituições privadas, os demais 0,05% do PIB.

Avaliando-se a natureza dos investimentos executados pela União para o período 2002-2011, verifica-se que apenas 30,3% foram destinados à infraestrutura - Funções Transportes (27,8%), Saneamento (2,1%), Energia (0,3%) e Comunicações (0,2%). Foram direcionados a outras Funções - como Educação (8,5%) e Saúde (9%) - os demais 69,7% que dependem, após sua conclusão, de gastos correntes para funcionar - não há sentido em escolas sem professores e hospitais sem médicos.

Uma característica dos investimentos públicos que o diferencia dos efetuados pela iniciativa privada é que este afeta a capacidade produtiva indiretamente e com grandes defasagens no tempo. Ademais, dependem, em geral, de despesas correntes para sua plena operação.

Na última década 52,4% do investimento público federal foi composto pelos restos a pagar, ou seja, despesa de anos anteriores, o que demonstra que tal política não atua de forma anticíclica.

Conclui-se que é importante inserir o investimento público no seu devido lugar e não vendê-lo como panaceia, imputando-lhe falsos atributos. Deve-se também examinar, em detalhes, quais os benefícios efetivos advindos dos investimentos realizados e se, de fato, foram agregados componentes para elevar a produtividade da economia. Fixar-se apenas no montante monetário despendido sem efetuar análise dos benefícios obtidos é discussão que pouco acrescenta aos verdadeiros desafios de elevar a competitividade da economia brasileira.

José Carlos Gerardo é analista de Finanças e Controle da STN/MF. O artigo reflete a visão pessoal do autor e não a posição do Ministério da Fazenda.