Título: EUA esperam chegar logo a acordo com Brasil sobre biocombustíveis
Autor: Saccomandi, Humberto
Fonte: Valor Econômico, 07/02/2007, Brasil, p. A3

Os EUA esperam chegar em breve a um acordo com o Brasil sobre biocombustíveis. A afirmação foi feita ontem, em São Paulo, por Nicholas Burns, subsecretário de Estado para assuntos políticos do governo americano. Os detalhes desse possível acordo não foram divulgados, mas Burns deu algumas pistas: expandir a produção de biocombustíveis (especialmente etanol) na América do Sul utilizando o know-how conjunto dos EUA e do Brasil. Não está claro se e quando Washington levantaria as restrições à importação de etanol.

Burns chegou ontem ao Brasil, para uma visita de dois dias, acompanhado pelo secretário assistente de Estado para assuntos da América Latina, Thommas Shannon. Hoje eles se reúnem em Brasília com autoridades do governo federal.

Apesar da falta de detalhes, impressiona o destaque dado por uma missão de alto nível americana à questão dos biocombustíveis, recentemente alçada a política de Estado nos EUA com a decisão do presidente George W. Bush de substituir 20% do consumo de gasolina por biocombustíveis. "Será preciso muito trabalho para fazer isso."

Para Burns, a aproximação nesse setor é "o marco simbólico de uma nova e forte parceria com o Brasil", classificado por ele como o parceiro mais importante dos EUA na região, apesar de os dois países terem "às vezes perspectivas diferentes" em algumas questões.

O subsecretário lembrou que EUA e Brasil são os maiores produtores e pesquisadores de biocombustíveis. "Se nossas duas sociedades se aproximarem, abre-se uma enorme oportunidade para os biocombustíveis", disse. "Esperamos chegar a um acordo muito rapidamente entre os dois governos."

Burns foi econômico em detalhes. Questionado se esse acordo implicaria a redução das barreiras americanas à importação de álcool brasileiro, ele buscou evitar polêmicas com o Congresso americano, que tem a última palavra sobre o assunto. "Temos leis sobre isso, e, enquanto essas leis estiverem valendo, temos de segui-las."

Questionado se o governo americano proporia ao Congresso a eliminação ou redução das barreiras ao etanol, Burns foi novamente evasivo: "Essa decisão cabe ao presidente Bush."

Mas ele ressaltou que "isso não é um impedimento para um grande passo estratégico em conjunto". "Ao longo deste ano veremos uma cooperação cada vez maior entre o Brasil e os EUA em relação a biocombustíveis."

Burns admitiu que ouviu reclamações do governador de São Paulo, José Serra, e de outras autoridades paulistas sobre a proteção ao etanol americano (que é feito de milho, menos produtivo que a cana-de-açúcar usada no Brasil).

E, na falta de detalhes, pistas. O americano afirmou que "Brasil e EUA pretendem expandir o mercado mundial para biocombustíveis". "Há muito interesse em acesso a mercados", disse, "e no que podemos fazer na região para que outros países se beneficiem".

A idéia parece ser criar rede regional de produtores de biocombustíveis. Isso equivaleria a uma Opep (a associação de exportadores de petróleo) do etanol no continente? Burns pensou alguns segundos e respondeu que o interesse é "regionalizar e internacionalizar" a produção de etanol, mas que "os EUA não integram cartéis".

Por trás do crescente interesse dos EUA pelo etanol não está apenas uma questão energética ou ambiental (pelo fato de o etanol emitir menos gases-estufa que a gasolina de petróleo).

"A energia está se tornando uma questão perturbadora internacionalmente", afirmou Burns, ecoando setores políticos americanos que defendem o etanol importado como forma de os EUA reduzirem sua dependência do petróleo e, assim, conterem a ameaça de países hostis a Washington. O subsecretário de Estado citou nominalmente a Venezuela e o Irã, mas analistas americanos costumam colocar boa parte dos produtores do Oriente Médio nessa lista.

Para esses setores, essa é uma questão de segurança nacional, e não só de política ambiental ou energética. Além de permitir ainda manter uma política de ajuda aos produtores agrícolas americanos.

"O quanto mais diversificarmos [o fornecimento de energia], melhor para os EUA", afirmou.

A aproximação com o Brasil para a disseminação do etanol na América do Sul pode ser uma fórmula para tentar blindar a região contra a influência do presidente da Venezuela, Hugo Chávez. "Não estamos obcecados com Chávez", relativizou Burns. "O tom de confronto não vem de nós, vem de Caracas", completou Shannon.