Título: Crise nas térmicas gera mais críticas a modelo elétrico
Autor: Schüffner, Cláudia
Fonte: Valor Econômico, 18/10/2006, Brasil, p. A4

Além de suscitar o risco de elevação do preço da energia, a crise nas térmicas a gás elevou o tom das críticas, sempre feitas reservadamente, ao novo modelo elétrico. Ele seria culpado pela contabilização das térmicas (mesmo as sem contrato de energia) como reserva "técnica" do sistema. A esse problema se somou o baixo custo da tarifa de energia definido pelo governo nos leilões de compra de energia nova, o que pode ter desestimulado ou inviabilizado a construção de hidrelétricas, cuja concessão foi vendida no governo passado. O preço máximo de compra de energia hidrelétrica definido pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE) foi de R$ 125 por MWh nos últimos três leilões.

Na avaliação da Associação Brasileira da Infra-Estrutura e Indústrias de Base (Abdib), ao baixar excessivamente os preços das novas hidrelétricas, que geram energia mais barata, e aumentar a participação das térmicas, mais caras, o governo pode desbalancear a matriz energética. Para o ministro de Minas e Energia, Silas Rondeau, a situação está tranqüila sob o ponto de vista da oferta, este ano e nos próximos quatro anos.

"Mesmo em uma hidrologia ruim o sistema tem 20% de energia térmica e 80% hídrica. E seria preciso uma situação muito comprometedora, um crescimento maluco do país, para suprir toda a folga existente. A capacidade instalada de geração de energia no país é de 102 mil megawatts e a carga média (consumo) é de 48 mil MWh, então, temos uma folga de mais de 50%", disse Rondeau.

A Petrobras e o ministro de Minas e Energia também contestam as afirmações de que não há gás. A Petrobras afirma que aqueles consumidores com contrato de gás estão sendo atendidos, mas diz que térmicas sem contrato de venda de energia não podem ser obrigadas a gerar. "O gás é um mercado organizado por contratos de longo prazo. A Petrobras vai honrar todos os contratos de gás e também garante a entrega da energia que foi vendida para o mercado via leilões ou contratos", afirma um executivo da companhia.

Cálculos da Gás Energy projetam que se todas as termelétricas do Brasil tiverem que operar ao mesmo tempo, serão necessários 42 milhões de metros cúbicos de gás por dia, sem contar o atendimento às distribuidoras estaduais e o consumo das instalações da própria estatal.

Desse total, a Petrobras tem contrato de venda para 37 milhões de metros cúbicos, já que duas usinas (Cuiabá e Uruguaiana) firmaram contratos com outras companhias da Bolívia e Argentina. Para se ter uma idéia, isso é tudo que a Petrobras produziu no Brasil em setembro, quando ela reportou produção de 42, 9 milhões de metros cúbicos/dia de gás natural.

O ministro acrescentou que a indisponibilidade momentânea da estatal foi causada por problemas nos compressores de Cabiúnas (Rio), por onde passa a produção da bacia de Campos, e na estação de Rio Grande, da empresa Andina, que fica na fronteira da Bolívia com o Brasil. Por causa desse problema houve redução de 3 milhões de metros cúbicos na importação de gás pelo Gasoduto Bolívia Brasil (Gasbol).

Rondeau ressaltou que a Petrobras está colocando em produção o campo de Manati, na Bahia. Na semana passada, em meio às pressões sobre o gás, a estatal anunciou para novembro o início da produção de gás nesse campo, que aumentará em 6 milhões de metros cúbicos diários a oferta de gás no Nordeste. Isso significa quase dobrar a oferta para a região.

Hoje, a Petrobras tem contratos de venda de gás para duas térmicas no Nordeste que não podem ser atendidas simultaneamente: a TermoPernambuco e a TermoFortaleza (da Endesa). Sozinhas, as duas precisam consumir 4,5 milhões de metros cúbicos de gás/dia e a disponibilidade para as térmicas da região é de apenas 1,5 milhão de metros cúbicos, segundo cálculos da Gás Energy. Existem ainda na região as térmicas Fafen (BA), TermoBahia, Camaçari e TermoCeará.

Os mais críticos no setor acham que, mais uma vez, o gás é visto como a solução disponível um pouco mais cara que a água, mas lembram que o que se viu é que não há volume suficiente para atender toda a demanda das distribuidoras, das indústrias e do setor elétrico simultaneamente. O problema é ainda mais complexo devido à sobreposição entre a regulação federal e a estadual no que tange à distribuição do (pouco) gás existente no país. Entre as térmicas "descontratadas" estão as gigantes da própria estatal em Macaé.

A oferta "curta" de gás afeta o mercado das distribuidoras, que estão, em sua maioria, descontratadas. A Petrobras enviou recentemente carta para a Ceg, Ceg Rio e Comgás informando a elas que o fornecimento de gás que está sendo consumido acima dos volumes contratados pode ser interrompido.(CS)