Título: Falta de gás afeta preço de energia e põe setor em alerta
Autor: Schüffner, Cláudia
Fonte: Valor Econômico, 18/10/2006, Brasil, p. A4

Em setembro e outubro, a falta de gás natural impediu que seis das 11 usinas termelétricas que deveriam estar operando fossem acionadas. O fato acendeu o sinal de alerta no setor elétrico, que voltou a observar o nível dos reservatórios da grandes hidrelétricas. Os preços da energia dispararam em setembro e nem a baixa que veio em outubro foi suficiente para restabelecer a tranqüilidade no setor.

O assunto está sendo tratado com grande discrição no mercado e no governo. A avaliação é que a solução só virá após o segundo turno das eleições, e pode vir na forma de uma alta do preço de energia para os grandes consumidores industriais. O preço ao consumidor residencial e ao comércio não seria alterado no curto prazo e, talvez, nem no reajuste anual das contas de energia elétrica.

Atenta ao problema, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) colocou em audiência pública uma resolução que poderá, no limite, retirar as térmicas sem gás da contabilização de energia disponível no sistema interligado nacional. Essas térmicas entram no cálculo do custo de operação do sistema elétrico como um todo, o chamado Custo Marginal de Operação (CMO), feito pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS). Como sua saída implicará na geração de energia por usinas mais caras (movidas a óleo combustível, carvão ou diesel) a medida pode custar caro, principalmente aos grandes consumidores industriais.

Na consulta pública, a Aneel deu prazo até hoje para os agentes enviarem suas contribuições. A agência também determinou que o ONS e a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) apresentem estudos sobre os impactos de eventual redução na oferta de energia térmica sobre o custo operacional e sobre a chamada curva de aversão ao risco de déficit energético, que é o indicador de perigo de apagão. Com esses números, será possível saber o efeito da medida sobre os preços da energia no mercado livre.

Os cálculos ainda não são conhecidos. A possibilidade de aumento do preço tem no ministro de Minas e Energia, Silas Rondeau, um opositor declarado. Para ele, o problema não será mais sequer mencionado em novembro, quando começar o período de chuvas.

"Essa semana o preço da energia caiu e o nível dos reservatórios do Sudeste está próximo de 50%. Estamos no final do período seco, que vai até novembro. Acho que não se deve tirar as térmicas da contabilização, porque elas serão convertidas para o bicombustível. Por isso, não vejo razão para pagar mais caro pela energia, pois isso só iria beneficiar os donos das térmicas. Nosso papel aqui é olhar isso. Não podemos obrigar a indústria a pagar mais", disse Rondeau ao Valor.

Se a Aneel determinar que as térmicas sem gás saiam do sistema, a medida pode criar potenciais perdedores e potenciais ganhadores. Para esses, o preço deve ser condizente com a situação do mercado. "É preciso aumentar o custo da energia agora. Se no futuro o modelo enxerga risco, e existe um déficit para a frente, o custo marginal de operação precisa aumentar", afirma Marco Aurélio Tavares, da consultoria Gás Energy.

"Os reservatórios no Sul estavam em queda e foi preciso mandar 5.000 MW de energia do Sudeste, o que afetou os reservatórios dessa região. Começamos a gastar água a partir de junho e agora, comparando com 2000, a folga é descendente", explica Tavares.

O problema ficou claro em setembro, quando o ONS requisitou a entrada em operação de 11 termelétricas, com capacidade de gerar 5.333 MW, devido a problemas de transmissão nas linhas entre Foz do Iguaçu e Ivaiporã e na subestação Foz do Iguaçu, que obrigaram à redução da geração de energia em Itaipu.

Sem a água nos reservatórios (baixos devido às exportações de energia para o Sul) o ONS colocou em funcionamento a regra que determina a geração imediatamente mais barata disponível. Foram acionadas as termelétricas a gás, mas elas geraram apenas 1.065 MW médios, alegando indisponibilidade momentânea do insumo.

Como resultado, segundo nota técnica da Aneel à qual o Valor teve acesso, foi necessário acionar a térmica de Santa Cruz, no Rio, que funciona a óleo e tem custo variável mais caro, de R$ 293,62 por MW/h, e a térmica Igarapé, que tem custo variável de R$ 460,93 por MWh. Segundo a nota, isso onerou o valor mensal dos Encargos de Serviços de Sistema (pago por todos os contribuintes) em R$ 22 milhões. Das 11 usinas, sete pertencem à Petrobras.

O economista Adriano Pires, do Centro Brasileiro de Infra-Estrutura (CBIE), ressalta que o nível dos reservatórios está caindo e por isso é recomendável ligar as termelétricas a gás para guardar água. E sem gás, diz Pires, será preciso acionar térmicas movidas a carvão, óleo combustível e hidrelétricas, o que pode não ser uma opção se o nível dos reservatórios estiver baixo. "Se tivermos um El Niño, como em 2001, teremos um esvaziamento mais rápido dos reservatórios e falta de energia em 2008", alerta.

Para Pires, o único instrumento disponível agora para lidar com a falta de gás é aumentar o preço. "A economia tem as leis da oferta e da demanda, que não podem ser revogadas, assim como a lei da gravidade. E se e a oferta é curta, é preciso aumentar o preço. Não tem outra solução no curto prazo", afirma Pires, para quem até 2010 o mercado de gás no Brasil não poderá crescer mais. "O gás que entrar até lá vai para as térmicas. E se elas precisarem ser ligadas vamos ter que cortar as indústrias. Antes disso será cortado o suprimento para as refinarias da Petrobras", prevê.