Título: Setor privado cresce no Equador e vê choque de modelos opostos
Autor: Uchoa, Rodrigo
Fonte: Valor Econômico, 18/10/2006, Internacional, p. A12

Numa esquina da Grande Praça de Quito, onde fica o palácio presidencial, cruzam-se as ruas Venezuela e Chile. Em 26 de novembro, no segundo turno no Equador, os eleitores vão escolher entre candidatos que trafegam, cada um, numa dessas "ruas": Rafael Correa, o radical de esquerda cujo discurso se parece com o do venezuelano Hugo Chávez, e Álvaro Noboa, o bilionário que prega a abertura da economia ao estilo chileno, embora seu tom populista deva causar espanto em Santiago.

Eles têm modos diferentes de lidar com a iniciativa privada, setor que vem dando maior dinamismo à economia do país. Segundo a consultoria Quantum, o PIB não petroleiro do Equador cresce consistentemente mais do que o chamado PIB petroleiro. Apesar de menor em termos absolutos, o PIB não petroleiro "emprega muito mais mão-de-obra, o que lhe confere um importante papel social", diz Alfredo Arizaga, da Quantum.

Noboa chegou a seu terceiro segundo turno presidencial consecutivo dizendo-se "enviado de Deus" contra os comunistas, o que levou a própria Igreja Católica a censurá-lo. Um dos maiores exportadores de banana do mundo (além de ter investimentos em diversas outras áreas), ele deve a maior parte de sua votação à região costeira, onde se destaca sua cidade natal, Guayaquil.

"Na região costeira, ser rico é uma qualidade, pois significa que o indivíduo produz, cria empregos e paga impostos. Já na serra [região andina], a riqueza causa desconfiança nas pessoas", afirma o analista político Antonio Miranda, da Universidade de Miami.

A proposta de Noboa para o setor privado é simples: maior abertura de mercado, tratado de livre comércio com os EUA, manutenção da dolarização. "Isso tudo soa bem para a iniciativa privada, num momento em que ela se mostra mais dinâmica", diz Arizaga. O consultor dá como exemplos o setor de pesca, a indústria de transformação e o setor financeiro.

"A pesca, puxada pelo camarão, deve bater recordes históricos de produção neste ano", afirma. Nos oito primeiros meses do ano, as exportações de camarão registraram um aumento de 21% em relação ao mesmo período de 2005. Até agosto, as vendas externas do crustáceo ultrapassaram US$ 350 milhões.

A indústria cresceu no primeiro trimestre à taxa anual de 8,9%, quase o dobro do crescimento total da economia. No mesmo período, o setor financeiro cresceu 17%. "E a demanda interna também vem crescendo, graças ao aumento da renda de famílias mais pobres", diz Arizaga.

Mas é nessa parcela mais pobre que Correa ganha fôlego. Seu discurso anti-EUA e contra a abertura maior do mercado foi bem recebido pelos 46% de equatorianos que trabalham em subempregos - o desemprego chega a 10,4%. O candidato fala ainda em evitar que os recursos naturais, especialmente o petróleo, sejam saqueados pelas multinacionais e promete "refundar politicamente o país".

Correa afirma que o aumento da renda familiar é um engodo, pois, após o achatamento causado em 2000 pela dolarização, essa renda estaria apenas se recuperando, e não crescendo. Para ele, o superávit nas contas do governo, devido sobretudo à alta do petróleo, têm de ser usado em programas sociais e de criação de empregos. A votação mais expressiva de Correa vem da área andina.

Essa foi uma particularidade da eleição. O país, de 13,3 milhões de habitantes e pouco maior do que o Estado de Sao Paulo, teve claros vencedores em suas três maiores áreas geográficas: Noboa na costa, Correa nos Andes (que dividem o Equador de norte a sul); e Gilmar Gutiérrez, irmão de Lucio Gutiérrez, presidente deposto em abril de 2005, na região amazônica, de pouca densidade demográfica.

O boom de exportações está ameaçado, porém, pela possível não-renovação, no final deste ano, das preferências tarifárias com os EUA. O país não conseguiu concluir um tratado de livre comércio que negociava com Washington.