Título: População dos EUA chega a 300 milhões, e crescendo
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Fonte: Valor Econômico, 18/10/2006, Internacional, p. A13

A igreja Lakewood, em Houston (Texas), tem uma área onde os pais podem deixar seus filhos enquanto assistem a missa. Há espaço para 5 mil crianças. As dimensões de Lakewood podem ser incomuns - a igreja fica num ginásio de basquete remodelado, e os sermões televisionados do pastor Joel Osteen são vistos por 7 milhões de pessoas por semana - mas não seu foco na família. "Amo as crianças porque elas são tão puras", diz Victoria Osteen, esposa de Joel e pastora auxiliar. "Para mim, [ter filhos] proporcionou uma vida extraordinariamente plena e maravilhosa."

Quando os europeus ouvem as palavras "americanos", "religião" e "valores familiares", pensam em pregadores inflamados vituperando contra arranjos domésticos não convencionais. Os europeus freqüentemente esquecem o papel mais positivo que as igrejas americanas desempenham, educando e instruindo família convencionais.

Em Lakewood, por exemplo, a igreja ensina casais casados a como se comunicar melhor e oferece a eles orientação prática sobre como educar os filhos e organizar as finanças familiares. Numa sociedade tão móvel como a americana, as pessoas comumente não têm a quem recorrer para obter orientação. Hillary Clinton disse certa vez que "é preciso uma comunidade para educar uma criança". Nos EUA, com freqüência, "a igreja é a comunidade", diz Stephen Klineberg, sociólogo na Universidade Rice, em Houston.

Segundo o relógio populacional do Birô do Censo americano, a população do país chegou ontem a 300 milhões de pessoas, contra 200 milhões em 1967. Em 2043, diz o birô, o país chegará a 400 milhões. Esse crescimento tão vigoroso é único entre países ricos. Enquanto os EUA incorporarão outros 100 milhões de pessoas nas próximas quatro décadas, o Japão e a União Européia (UE) deverão perder quase 15 milhões.

Claro, estas são apenas projeções. A duração da vida sem dúvida continuará a se alongar e as regras de imigração poderão mudar. O que é notável, porém, é a disparidade entre a taxa de fertilidade nos EUA e em outros países ricos. Hoje, as mulheres americanas têm em média 2,1 filhos. Esse é o número necessário para manter uma população estável. Por isso, às vezes os analistas o assumem como fato consumado e dizem que o crescimento populacional americano se deve inteiramente à imigração. Isso obscurece o fundamental: para todo país avançado, com exceção dos EUA e de Israel, a alternativa à "taxa de fertilidade de reposição" é uma queda grande da natalidade.

A taxa de fertilidade na UE é de 1,47 filhos por mulher, bem abaixo da taxa de reposição. Em 2010, as mortes começarão a superar os nascimentos. Assim, só a imigração responderá pelo crescimento populacional. E essa média esconde países onde caiu espantosamente a vontade procriadora dos cidadãos. A taxa de fertilidade na Itália e na Espanha é de 1,28, o que, sem imigração, faria com que o número de espanhóis e italianos caísse à metade em 42 anos.

A queda na taxa de natalidade está vinculada à prosperidade. Em países muito pobres, as pessoas tendem a ter muitos bebês devido à expectativa de que alguns deles morrerão nos primeiros anos de vida, porque necessitam de ajuda nos campos e de alguém que cuide delas na velhice. A taxa de fertilidade no Níger e no Mali, por exemplo, supera 7 filhos por mulher.

À medida que os países enriquecem e as mulheres ficam mais instruídas, elas têm menos filhos e investem mais em cada um deles. Enquanto os camponeses no Mali não podem se dar ao luxo de não ter filhos, muitos ocidentais preocupam-se por não disporem dos recursos para tê-los. As universidades são caras, e se a mãe decidir ficar em casa, a família terá de abrir mão de sua contribuição salarial. Some-se a isso a brusca interrupção de uma vida de despreocupado hedonismo de Primeiro Mundo, e não surpreende que as taxas de natalidade tenham despencado em todos os países ricos.

Mas muito menos nos EUA. Qual a razão? A religião tem um papel nisso, diz Klineberg. Os americanos são mais devotos que os europeus, se podemos inferir pela freqüência à igreja, e a fé influencia sua visão de mundo. Don Iloff, porta-voz da igreja Lakewood (e irmão de Victoria Osteen), concorda. A fé é semente de esperanças, diz ele, e se você tem esperanças no futuro, é mais provável que queira trazer crianças ao mundo.

Pesquisas de opinião certamente sugerem que os americanos são mais otimistas que as pessoas da maioria dos outros países. Philip Morgan, sociólogo na Universidade Duke, e Miles Taylor, especialista em população na Universidade da Carolina do Norte, citam diversos outros fatores possíveis. As taxas de natalidade são mais baixas nos países ricos mais patriarcais, como Japão e Itália, que em países onde há mais igualdade entre os sexos, como os EUA e a Escandinávia. Quem sabe a percepção de que o marido vai ajudar nos afazeres domésticos torna as mulheres mais dispostas a terem filhos.

A abundância americana de grandes espaços também torna mais atraente criar filhos. Criar uma família grande num minúsculo apartamento japonês é uma dificuldade, mesmo que você possa embutir as camas durante o dia. A mais baixa taxa de fertilidade no mundo é a dos superaglomerados Hong Kong (0,95), Macau (1,02) e Cingapura (1,06). Nos EUA, o domicílio familiar médio dobrou de tamanho no último meio século, de 93 metros quadrados, em 1950, para 195,3 em 2001.

É relativamente densa a ocupação das áreas litorâneas dos EUA, mas as famílias que não podem bancar uma casa espaçosa com jardim em Connecticut ou na Califórnia podem sem mudar para um lugar mais barato. E freqüentemente o fazem. Isso é uma das razões pelas quais o centro de gravidade populacional americano continua deslocando-se para sul e oeste. Em 1800, esse centro de gravidade ainda estava próximo da Costa Leste, em Maryland. Em 2000, estava no condado de Phelps, no Missouri, e rumando para Oklahoma.

Terão os EUA condições de administrar uma população em incessante expansão? Uma avaliação do que acontece em Houston sugere que sim. A cidade é uma das que têm o mais rápido crescimentos nos EUA. A população do condado de Harris, que compreende Houston, cresceu 21% na década de 90, para 3,4 milhões. Como a cidade não tem lei de zoneamento, as incorporadoras podem construir onde houver demanda. Em vez de esperar que o governo amplie o atendimento das redes de esgotos e eletricidade em áreas periféricas, as firmas podem emitir títulos para bancar, elas mesmas, esses serviços, e repassar o custo para os compradores das casas.

Em Woodlands, uma comunidade planejada de 11,3 mil hectares ao norte de Houston, é possível comprar uma casa de três quartos numa silenciosa rua arborizada por US$ 130 mil. Em comparação, o preço mediano de uma residência em São Francisco passa de US$ 700 mil. Woodlands tem boas escolas, 235 quilômetros de trilhas para caminhadas, campos de golfe e um agrupamento de empresas petrolíferas e de alta tecnologia.

Woodlands é também um lugar seguro. "Os salários dos policiais são pagos pela comunidade, e não pelo condado, e por isso temos mais policiamento", diz Roger Galatas, ex-administrador da empresa responsável por Woodlands.

Houston tinha 70% de brancos em 1960, mas agora há 57% de brancos (dos quais 42% são hispânicos), 24% de negros e 6% de asiáticos. "Onde você cresceu é irrelevante em Houston", diz Tim Cisneros, arquiteto local cuja mãe veio do México. Pesquisas sugerem que o quadro não é tão róseo: 79% dos negros julgam que são "freqüentemente" discriminados. Mas 69% dos moradores de Houston acreditam que a diversidade étnica irá converter-se numa fonte de vitalidade. É mais fácil lidar com um mundo globalizado se seus cidadãos têm raízes em muitos países.

O futuro americano poderá se assemelhar a algo como a Houston atual, diz Joel Kotkin, autor especializado em questões demográficas. À medida que a população americana crescer substancialmente, ficará etnicamente mais mesclada e especialmente mais hispânica. Houston sugere que isso funcionará perfeitamente.

Crescimento rápido poderá causar problemas ambientais, mas desacelerará bastante a taxa de envelhecimento americano. Enquanto na UE, em torno de 2050, haverá menos de dois adultos em idade economicamente ativa para cada pessoa com mais de 65 anos, a proporção nos EUA será menos assustadora - quase de três para um. Os problemas do crescimento, diz Klineberg, são mais fáceis de enfrentar que os problemas do declínio.