Título: Cana avança sobre áreas de pecuária e soja no MS
Autor: Scaramuzzo, Mônica
Fonte: Valor Econômico, 18/10/2006, Especial, p. A16

"Che amba´apo takuare`indýpe". A frase em guarani, que significa "eu trabalho em cana-de-açúcar", hoje em dia é comum no Mato Grosso do Sul. Índios como Justino Alvado, 42 anos, e Vanderlei Villalva, 24, ambos da aldeia de Amambai, na divisa com o Paraguai, já são figuras fáceis nos canaviais locais, também marcados pelo sotaque dos migrantes nordestinos. Os cortadores de cana ganharam importância no Estado, outro que aposta alto na cana como alternativa à pecuária e aos grãos.

Com nove usinas instaladas e responsável por apenas 2,5% da produção nacional de cana (420 milhões de toneladas por safra no total), o Mato Grosso do Sul não tem tradição no segmento. Mas contabiliza o anúncio de 34 projetos de novas indústrias, alguns deles já em andamento. A euforia da cana, propagada nos últimos quatro anos no país como reflexo dos preços atraentes do açúcar e da boa demanda interna e externa por álcool, contagiou o Estado.

O Valor percorreu de carro 1.160 quilômetros a partir de Campo Grande, no sentido sul do Estado, passando por Rio Brilhante, Dourados e Naviraí, municípios hoje dependentes de soja e pecuária. Na BR 163, principal rodovia do Mato Grosso do Sul, os canaviais ainda não são muitos , mas despontam aqui e ali - diferentemente do que ocorre em São Paulo, onde os canaviais rasgam as principais rodovias do interior. Mas pecuaristas e agricultores sul-mato-grossenses encaram a cultura como um novo impulso econômico.

Apesar da euforia, o governo estadual trabalha com previsões mais conservadoras no que se refere aos investimentos. Benedito Mário Lázaro, superintendente de Agricultura e Pecuária da Secretaria da Produção e do Turismo, acredita que dos 34 projetos anunciados, pelo menos 15 têm chances reais de serem concretizados nos próximos anos.

O governo está contratando uma consultoria para fazer um diagnóstico capaz de nortear os aportes sucroalcooleiros. As áreas de pastagens ocupam cerca de 22 milhões de hectares no Mato Grosso do Sul, e os grãos abocanham outros 2 milhões. Se a previsão de Lázaro se confirmar e pelo menos 15 usinas de fato saírem do papel, a área ocupada pela cana deverá aumentar dos atuais 150 mil hectares para 600 mil até 2010.

Nas cidades visitadas pelo Valor, prevalece a empolgação. Em Rio Brilhante, cidade com 28 mil habitantes, as usinas Passa Tempo, do grupo Tavares de Melo, e a recém-inaugurada Eldorado, da família Benedito Coutinho, vão dividir espaço com a nova unidade produtora da Louis Dreyfus, com três usinas de açúcar e álcool.

A nova planta da multinacional francesa, que deverá entrar em operação em 2008, está em fase de plantio de mudas. Donato Lopes da Silva (PTB/MS), prefeito da cidade, prevê que a área de canaviais vai triplicar em Rio Brilhante, e deverá alcançar 100 mil hectares em quatro anos.

Assim como em boa parte do Mato Grosso do Sul, a pecuária e o plantio de grãos - sobretudo soja e milho - são as principais atividades econômicas de Rio Brilhante. Com as novas oportunidades de emprego que Lopes acredita que a cadeia da cana pode criar, a prefeitura prevê que a população da cidade chegará a cerca de 40 mil habitantes.

Em Naviraí, mais ao sul do Estado, a usina Coopernavi, controlada pelo fundo Infinity Bio-Energy, já não reina mais absoluta. Uma nova usina foi instalada na cidade vizinha de Iguatemi, e o próprio Infinity avalia a construção de outras duas plantas na mesma região.

Os investimentos em curso no Mato Grosso do Sul seguem a mesma lógica do que aconteceu no Triângulo Mineiro - que viveu o primeiro "boom" sucroalcooleiro na metade da década de 90, com a chegada de empresários nordestinos - e em Estados como Goiás e Mato Grosso, apontados como novas fronteiras para a cana em virtude das terras mais baratas e do clima favorável.

"A região de Naviraí enfrenta nos últimos três anos um baque [econômico] provocado pela crise dos grãos e pela queda dos preços do boi gordo", diz Moacir de Andrade, presidente da Associação Comercial e Industrial da cidade.

Com cerca de 50 mil habitantes, Naviraí depende da pecuária. Grandes frigoríficos, como Bertin e Mercosul, estão instalados na cidade. A simples notícia de que poderia haver novos investimentos em cana motivou uma onda de consultas por parte de indústrias metalúrgicas ligadas à cadeia canavieira, de acordo com o prefeito da cidade, Zelmo de Brida (PL/MS).

Com o aquecimento dos negócios, nos canaviais de Naviraí índios e nordestinos já são quase artigo de luxo. "Falta cortador na região por conta do crescimento do segmento", diz Celso Fernandes, 34 anos, fiscal de cortadores que há 16 anos trabalha em canaviais.

A crise da soja levou muitos caminhoneiros a adaptarem seus veículos para transportar cana. "Trabalho no início do ano com soja e depois vou para cana", confirma um caminheiro. Ele preferiu não ser identificado para não perder o "bico". Outros fizeram o mesmo. Donato Lopes, prefeito de Rio Brilhante, diz que o movimento em borracharias da região aumentou em conseqüência da nova atividade.

Considerada a capital dos agronegócios do Estado, Dourados, com 187 mil habitantes, também se arma para a chegada da cana. Aqui a cultura tende a ser uma frente complementar, uma vez que já há uma considerável diversificação econômica. E o prefeito da cidade, Laerte Tetila (PT/MS), afirma que Dourados trabalha para continuar assim.

"Temos trabalhado para diversificar a economia da região [também fortemente amparada por pecuária e grãos]", diz Tetila. De acordo com ele, o governo aprovou a instalação de uma unidade da estatal Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) para pesquisar peixes. "Também vamos investir no plantio de girassol para a produção de biodiesel e já temos um rebanho razoável de ovelhas", diz Tetila.

O prefeito afirma que Dourados atravessa uma "época de ouro" e deverá receber investimentos da ordem de R$ 500 milhões em duas novas usinas - uma da família Benedito Coutinho, que já conta com uma unidade localizada em Rio Brilhante, e outra do pecuarista Celso Dal Lago Rodrigues, desenvolvida em parceria com o grupo Unialco, do empresário Luiz Guilherme Zancaner (ver matéria abaixo).

Nos canaviais, os cortadores sabem que a expansão gera emprego, mas reclamam que o trabalho é árduo. "Tem hora que o cabra fica triste, lembra da mãe lá em Trindade [Pernambuco] e chora. Às vezes bebe para esquecer, mas trabalha para levar dinheiro para família", diz, pesaroso, Francisco Carlos da Silva, 34 anos. Conhecido como "Boca de Ferro", Silva retoma o corte. E acredita em dias melhores.