Título: Dirigente irlandês ameaça ampliar resistência à carne bovina do Brasil
Autor: Moreira, Assis
Fonte: Valor Econômico, 18/10/2006, Agronegócios, p. B12

Quando o irlandês Padraig Walshe ouve menção ao Brasil, põe as mãos na cabeça e exclama: "Temos um enorme problema com esse país". Com o porte de um antigo pugilista, Walshe gesticula e deixa claro que também quer causar problemas ao Brasil. E acredita que pode. Afinal, preside a Associação dos Agricultores da Irlanda e lidera as campanhas contra a carne bovina brasileira na Europa.

Walshe não pára de pedir à Comissão Européia que proíba totalmente a importação da carne do Brasil, alegando controle inadequado da febre aftosa, a falta de rastreabilidade dos animais e degradações social e ambiental.

Ele ainda não foi atendido, mas insiste. Disse ao Valor que começará a golpear em outro flanco, com campanha junto aos consumidores no Reino Unido. Oficialmente, o objetivo é "instigar o consumidor a comprar carne segura". Walshe também quer denunciar publicamente ("name and shame") restaurantes que não estiverem cumprindo a legislação que os obriga a informar a origem da carne.

Indagado se o alvo é o Brasil, Walshe sorri, garante que quer "ser positivo" e que não mencionou o país. Mas logo acrescenta: "O que não dá é ver na mesma prateleira dos supermercados a nossa carne e a brasileira, com padrões sanitários totalmente diferentes".

A Irlanda tem 4 milhões de habitantes e 2 milhões de vacas. Exporta 90% da carne bovina que produz, um negócio que gera mais de 2 bilhões de euros por ano. Se a carne brasileira fosse totalmente proibida na UE, os irlandeses não teriam condições de atender à demanda.

O problema da Irlanda é de competitividade, e Walshe sabe. Mas alega que o Brasil não cansa de derrubar o preço do produto e que os criadores de seu país vivem sob permanente pressão. "Para um irlandês, o quilo tem que ser a 3 euros, pelo menos. Mas o Brasil entra com carne barata e ameaça nossa sobrevivência", diz. Em tom tranqüilo, reitera que, apesar de tudo, quer "ser positivo".

O próprio dirigente tem uma centena de vacas. E diz que poderia produzir mais sem as restrições sanitárias, ambientais e de bem-estar dos animais impostas pela UE. "Preciso garantir 1,2 acre por animal. Cada vaca tem passaporte de saúde e não posso transferir um animal para outra fazenda sem autorização".

Apesar de reclamar de um enorme custo de produção, o representante irlandês não consegue estimar a parte das despesas apenas com preocupações não comerciais. O que ele diz saber é que os brasileiros vão ter de comprovar, mais e mais, a segurança alimentar de seus produtos - "mas ainda assim vão continuar competitivos".

Outro representante agrícola europeu, da Bélgica, conta que tambem esteve com o comissário europeu de saúde e proteção do consumidor, Markus Kyprianou, e pediu sanção contra o produto brasileiro. "Ele falou que estava tudo bem com a carne do Brasil", diz o belga. "Mas esse comissário é vegetariano", dispara. Um assessor do comissário explicou que Kyprianou, que prometera provar o churrasco brasileiro, de fato "não come carne vermelha".

Durante o Congresso dos Agricultores Europeus, em Estrasburgo (França), vários líderes insistiram que, ou Bruxelas barra as importações sem o mesmo padrão sanitário e ambiental europeu, ou reduz as exigências locais. Eles alegam que o custo é crescente e que a burocracia também atrapalha.