Título: Base de Manta causa muito barulho por nada
Autor: Valdivieso, Jeanneth
Fonte: Valor Econômico, 07/02/2007, Internacional, p. A13

O solitário posto militar avançado dos EUA na América do Sul é uma instalação modesta onde cerca de 220 americanos compartilham um espaço com um esquadrão da Força Aérea equatoriana e um aeroporto internacional. Eles não estão autorizados a manter mais de oito aviões em Manta.

Mas esses aviões de reconhecimento - predominantemente Awacs A-3 e Orions P-3 - desempenham um papel vital em impedir que cocaína e heroína andinas cheguem aos EUA. Eles são responsáveis por cerca de 60% da apreensão de drogas na Pacífico Oriental.

Isso pouco importa para o recém-empossado presidente Rafael Correa, cuja rejeição à presença militar americana no Equador reflete um ressentimento generalizado em relação à política externa de Washington numa região onde o presidente George W. Bush tem poucos aliados confiáveis.

"Nós dissemos claramente que em 2009 o acordo não será renovado porque acreditamos que soberania consiste em não ter soldados estrangeiros no solo de nossa pátria", disse Correa recentemente.

Não importa que os aviões evitem o espaço aéreo equatoriano após decolarem, e que as operações americanas em Manta contribuam com cerca de US$ 7 milhões por ano para a economia local.

Muitos equatorianos acreditam que os EUA estão tentando envolvê-los mais intensamente no conflito colombiano que vem transbordando suas fronteiras: rebeldes esquerdistas freqüentemente penetram em território equatoriano e dezenas de milhares de refugiados colombianos aglomeraram-se em cidades fronteiriças sem lei atormentadas por traficantes de drogas e prostituição infantil.

Embora autoridades americanas neguem que os aviões baseados em Manta espionem rebeldes esquerdistas na Colômbia, eles efetivamente interceptam aviões que transportem drogas e praticam escuta clandestina das comunicações de rádio dos rebeldes.

"Há um sentimento generalizado de que Washington está executando um amplo programa antidrogas com a Colômbia, pouco se importando com as graves conseqüências - crescente violência e refugiados em grande número - para o Equador", diz Michael Shifter, diretor-adjunto do Diálogo Interamericano, uma entidade de estudos e geopolítica em Washington.

Os esforços do governo Bush de manter o papel americano de principal parceiro comercial e militar da América Latina ficaram bastante debilitados depois que candidatos esquerdistas conquistaram as Presidências da Venezuela e da Bolívia - e agora do Equador, onde muitos se ressentem das duras pressões de Washington ao negociar acordos de comércio que asseguram termos preferenciais para setores da economia americana e parecem qualquer coisa, exceto "livres".

"Washington tende a alternar uma postura de indiferença - totalmente absorta em prioridades mais urgentes - com uma atitude autoritária, quando resolve dedicar alguma atenção", diz Shifter.

Localizada na costa, a cerca de 260 quilômetros a sudoeste de Quito, a capital equatoriana, Manta está bem situada para sua missão. Mas os militares americanos, que conseguiram arrendar Manta depois de terem sido obrigados a deixar a Base Aérea Howard no Panamá em 1999, fariam bem em começar a buscar uma alternativa, segundo Anna Gilmour, uma analista do Jane´s Defense Information Group para a América Latina.

A Colômbia não é uma boa opção - tropas americanas lá correriam grande risco de serem atacadas pelos mesmos rebeldes esquerdistas que o presidente Álvaro Uribe está combatendo apoiado em treinamento e respaldo dos serviços de inteligência dos EUA.

Também os países vizinhos não são uma alternativa viável: os presidentes Hugo Chávez, da Venezuela, Alan García, do Peru, e Luiz Inácio Lula da Silva, do Brasil, não demonstraram interesse em sediar unidades militares americanas.

Os governos esquerdistas na região já se afastaram de companhias americanas fabricantes de equipamentos para defesa e passaram a buscar Rússia, França e Brasil para aquisição de material militar.

O governo Bush irritou muita gente, na região, quando deu ênfase a acordos comerciais bilaterais e fez pouco caso da Lei de Estímulo ao Comércio Andino e Erradicação de Drogas (ATPDEA, em inglês), um pacote de vantagens comerciais oferecidas em troca de cooperação contra o tráfico de drogas. A lei expirou em 31 de dezembro e o governo a estendeu por seis meses.

A Colômbia e o Peru mantêm pactos bilaterais com os EUA, mas estes não foram ratificados, e o recém-eleito Congresso americano controlado pelos democratas opôs objeções. As conversações comerciais com o Equador foram interrompidas ano passado, muito antes de Correa tornar-se presidente, e não dão sinais de uma retomada.

Correa, um economista formado nos EUA, diz que a ATPDEA "não é caridade", mas sim uma "remuneração justa" em troca do engajamento no combate ao tráfico.

Nesta semana, o Departamento de Estado dos EUA recomendou o cancelamento de toda a ajuda financeira de combate às drogas que beneficiava a Venezuela, país que recebeu US$ 2,2 milhões no ano fiscal corrente, e a redução da ajuda geral ao Equador em cerca de 30%, para US$ 20 milhões.

Cortes na ajuda financeira destinada a barrar o tráfico de drogas foram propostos para toda a região andina, até para a Colômbia.

Em meados de 2006, os EUA tinham pouco menos de 2 mil militares em serviço ativo estacionados em países da América Latina e do Caribe, e mais de 50% deles na baía de Guantânamo, em Cuba.

Um total de aproximadamente 6 mil funcionários do Departamento de Defesa estão alocados à região, muitos deles no Texas e na Flórida, onde os comandantes estão sediados no Comando Sul dos EUA. Esse contingente é uma migalha do quase 1,4 milhão de soldados americanos mobilizados em todo o mundo, principalmente na Europa e na Ásia.

Mas esses 220 americanos em Manta produziram um impacto mais do que proporcional contra as drogas ilícitas. Na década de 90, a maior parte do contrabando de drogas da região era por via aérea. O tráfico, posteriormente, migrou para rotas em alto mar, depois que a chamada "ponte aérea" foi praticamente desativada. Graças aos esforços americanos de bloqueio ao tráfico centrados em Manta, mais de 275 toneladas de drogas ilegais, predominantemente cocaína, foram apreendidas ou interceptadas em 2006, disse Javier Delucca, o tenente-coronel americano administrador da base de Manta.

(Tradução de Sergio Blum)