Título: Cheques sem fundos garantiam títulos
Autor: Martins, Victor
Fonte: Correio Braziliense, 14/11/2010, Economia, p. 16

Instituição controlada por Silvio Santos usava artifício para captar dinheiro no mercado

Quem teve acesso às avaliações do Banco Central sobre o balanço fraudado do Banco PanAmericano garante que as contas da instituição controlada pelo Grupo Silvio Santos são de arrepiar. Um dos pontos que os técnicos da Área de Fiscalização do BC consideram mais nebulosos se refere à emissão de letras de câmbio, títulos usados para captar recursos com os investidores e financiar os que tomam empréstimos. Suspeita-se que o PanAmericano usava cheques sem fundos com mais de cinco anos, que perderam a validade e não podem nem ser protestados, para dar garantias às letras. Ou seja, o banco colocava no mercado papéis lastreados em dívidas podres, uma espécie de subprime brasileiro ¿ referência aos impagáveis débitos imobiliários dos Estados Unidos, que levaram o mundo à maior crise desde 1930.

Ainda não se sabe quanto do rombo do PanAmericano ¿ que foi obrigado a tomar um empréstimo de R$ 2,5 bilhões com o Fundo Garantidor de Crédito (FGC) ¿ se refere às letras de câmbio podres. Mas acredita-se que o valor seja significativo, dada à destinação dos recursos captados por meio daqueles papéis. Levantamento feito pelo Correio identificou que o banco financiava veículos e, em vez de o cliente levar para casa um carnê, era obrigado a deixar na instituição vários cheques pré-datados no valor e na quantidade das prestações. Caso houvesse calote, o nome do comprador era colocado no Serviço de Proteção ao Crédito (SPC) e na Serasa Experian. Depois de cinco anos, se as dívidas ainda não tivessem sido quitadas, os cheques eram transformados em letras de câmbio.

O estranho é que o PanAmericano emitia os títulos, mas colocava os consumidores como o responsáveis pelos papéis e se, mais uma vez, não honrassem os débitos, eram protestados em um cartório do interior do Rio de Janeiro. ¿Realmente, tudo é muito estranho¿, diz um técnico no BC, que não esconde o temor de as letras de câmbio podres estarem contabilizadas como ativos de primeira linha em outros bancos.

Irregularidades Para o mesmo técnico do BC, a situação é completamente irregular. ¿Quem tem de pagar as letras é o PanAmericano. Não tem de cobrar do cliente. O emissor dos ativos é que deve garanti-lo. Se ele (o banco) tiver pago todos que compraram as letras nas datas do resgate, não há problema ¿, explica. Um respeitado membro do sistema financeiro, porém, é mais radical. ¿É tudo falso, uma ação premeditada. Não tem como dar credibilidade a uma operação dessas, de origem duvidosa¿, afirma. A seu ver, essa complexa engenharia era usada para inflar o caixa do PanAmericano e ampliar a oferta de empréstimos. Aparentemente, funcionou. De junho de 2009 a junho de 2010, a carteira de crédito da instituição cresceu 21,9%. Na comparação do primeiro trimestre do ano com o último de 2009, o lucro avançou incríveis 152,6%.

Toda a operação do PanAmericano era tercerizada à firma de cobrança Network Assessoria. João Alberto De Meo, diretor da empresa, garante que está tudo dentro da lei. ¿O que está protestado no Rio de Janeiro não é o cheque, mas a letra de câmbio¿, afirma De Meo. O técnico do BC discorda. ¿O banco só poderia protestar se o emitente do cheque desse um aceite, aí ele poderia cobrar. Não está dentro da lei sem o aceite¿, afirma. Ainda de acordo com o técnico, esse tipo de engenharia está se transformando em um imbróglio judicial. Várias ações que envolvem protestos de letras de câmbio estão indo parar nos tribunais e recorrentemente, o ganho da causa é do consumidor. O Correio entrou em contato com o PanAmericano na última sexta-feira, mas até o fechamento desta edição não obteve resposta.

Entenda a fraude

Segundo o BC, o banco começou a cometer as irregularidades há três ou quatro anos e seus gestores podem ser punidos por crimes contra o sistema financeiro nacional

» O Banco PanAmericano, controlado pelo grupo Silvio Santos, inflava o balanço com operações de crédito já vendidas a outras instituições.

» O Banco Central descobriu a fraude com base no balanço semestral, fechado em 30 de junho. Existe também a suspeita de que uma mesma carteira de crédito tenha sido vendida a mais de um banco.

» As operações fraudulentas sob investigação do BC podem ter começado há cerca de três ou quatro anos.

» O BC chamou o controlador, que se dispôs a cobrir o rombo, no valor de R$ 2,5 bilhões, mediante empréstimo no Fundo Garantidor de Crédito.

» O FGC emprestou o dinheiro, tendo como garantia o patrimônio empresarial do dono do SBT, Silvio Santos.

» Do rombo de R$ 2,5 bilhões, R$ 400 milhões são referentes a operações com cartão de crédito. O BC não tem detalhes dessas operações.

» A Caixa Econômica Federal, que comprou 49% das ações do PanAmericano em dezembro de 2008, só entrou no banco após a aprovação da operação pelo BC.

» A Caixa, segundo o BC, não tem responsabilidade solidária na fraude e também não tem prejuízo pela compra, uma vez que o patrimônio da instituição foi recomposto.

» Silvio Santos tem intenção de vender o banco para pagar o empréstimo do FGC.

» O BC já comunicou ao Ministério Público indícios de crime contra o sistema financeiro praticados na gestão da instituição.

Margem de segurança fica menor

Enquanto o grupo das 20 maiores economias do mundo (G-20) aderiu ao acordo de Basileia III, que aumentará ainda mais a exigência de capitais para que os bancos continuem funcionando, várias instituições de pequeno porte no Brasil estão com dificuldade de cumprir a regra antiga, que as manda guardarem no mínimo 11% do seu patrimônio para se protegerem em momentos de crise.

Segundo levantamento feito pelo Correio com base em dados disponibilizados pelo Banco Central, 15 instituições estão próximas ou no limite exigido por lei. Todas serão chamadas pelo BC e terão de prestar contas ao presidente da instituição, Henrique Meirelles, que não esconde a irritação com as fraudes cometidas pelo Banco PanAmericano, controlado pelo Grupo Silvio Santos. A ordem é não ser surpreendido por novas irregularidades.

Dentre os mais de 100 bancos listados pelo BC, 13 encolheram seus índices de Basileia entre dezembro de 2009 e junho deste ano, aproximando-se do limite exigido por lei. Para as instituições que estão ficando aquém da barreira dos 11%, o BC está exigindo o reforço de capital. A operação mais recente foi feita pelo banco paulista Socopa, que, até junho, estava com o índice em 10,2%. Segundo o presidente da instituição, Álvaro Augusto Vidigal, o banco fez uma emissão de títulos no valor de R$ 20 milhões. Com isso, o índice do Socopa foi elevado para 12,5%.

Segundo Solimar Wichrowski, especialista em sistema financeiro da Consultoria JL Rodrigues, os bancos menores são os mais vulneráveis às crises e têm mais dificuldade para se enquadrar às regras da Basileia sem afetar a capacidade de concessão de crédito. ¿A Basileia III agravará um pouco mais essa situação¿, diz. Na avaliação do especialista, os pequenos bancos têm grande chances de serem engolidos pelos grandes. ¿A concentração bancária é uma tendência mundial¿, afirma. Depois do Socopa, o banco Schahin é o que está mais a perigo, em dezembro de 2009 estava com índice de Basileia de 13,66%; em junho, o indicador havia cravado 11%. O Schahin não quis se pronunciar sobre o assunto. (VM)