Título: Ânimo do mercado pode ser passageiro
Autor: Atkins , Ralph
Fonte: Valor Econômico, 17/09/2012, Finanças, p. C2

Será o início de uma alta outonal no mercado - ou terá sido o derradeiro pique do verão? Ben Bernanke, presidente do Fed (Federal Reserve, banco central dos EUA), conseguiu a desejada injeção de ânimo no mercado com o lançamento da terceira rodada de afrouxamento monetário, apelidado de "QE3" (sigla para "quantitative easing").

O verão (no hemisfério Norte) foi marcado por uma alta nas bolsas de valores e em alguns mercados de títulos: o S&P 500 saltou para seu mais elevado nível desde o fim de 2007. Na Europa, as ações também subiram bastante, tendo o índice FTSE Eurofirst 300 alcançado seu nível mais alto desde julho do ano passado.

Paralelamente ao programa de compra de títulos deflagrado no início deste mês por Mario Draghi, o presidente do Banco Central Europeu (BCE), para eliminar o risco de uma ruptura da zona do euro, os planos do Fed de injetar mais US$ 40 bilhões por mês na economia americana demonstraram mais uma vez o incrível potencial de um balanço patrimonial ilimitado. Mas o índice de ceticismo do mercado também demonstra um crescimento significativo.

"O Fed colocou sua credibilidade em questão", diz James Dailey, diretor de investimentos da Team Financial Managers. "Não há nenhuma evidência sugerindo que o que eles estão fazendo criará empregos e, se não observarmos resultados nos próximos meses, a reação do mercado poderá ser conturbada."

Transbordaram para os mercados financeiros os debates acalorados entre políticos e economistas sobre se as intervenções dos bancos centrais com o objetivo de eliminar os "riscos de cauda" (de baixa probabilidade de ocorrência) de desfechos desastrosos ajudarão a melhorar as condições econômicas ou simplesmente distrairão as atenções das vulnerabilidades estruturais.

"O risco é que estejamos um passo mais perto de nos darmos conta de que isso não está funcionando", alerta Matt King, estrategista de crédito do Citigroup. "No curto prazo, todo mundo está comprando porque o Fed está comprando. Na margem, talvez, eles estejam esperando que isso melhore as perspectivas econômicas de longo prazo, mas isso exigirá que as empresas contratem trabalhadores e não apenas engordem lucros via redução de custos", diz ele.

Graham Secker, analista do mercado de ações no Morgan Stanley, diz: "Eu ficaria muito surpreso se os economistas apontarem para melhorias em previsões do PIB".

Entre as ameaças presentes nas mentes dos investidores estão o "abismo fiscal" americano - aumentos de impostos e cortes de gastos - que poderão se concretizar em janeiro, uma possível "aterrissagem brusca" da economia chinesa e uma guerra no Oriente Médio, assim como os problemas na zona do euro.

O efeito Bernanke poderá não se dissipar. O presidente do Fed deixou claro "que considera o mercado de ações um mecanismo crucial para a transmissão da política monetária", diz Quincy Krosby, estrategista de mercado na Prudential Financial. "Isso significa que a alta persiste. Apostar em quedas das bolsas seria apostar contra o Fed, contra Mario Draghi e talvez contra o Estado chinês. Essa é uma aposta que a maioria dos que negociam nas bolsas simplesmente não pode assumir."

As medidas tomadas pelo BCE também proporcionaram vigorosa - e possivelmente mais duradoura - sustentação aos preços das ações e dos títulos.

"Na zona do euro, o "risco de evento", o perigo de que algo realmente grave aconteça, foi significativamente reduzido pelo BCE", diz Robert Parker, consultor sênior do Credit Suisse. "A alta das ações tem gás para se manter pelo menos até novembro."

Ainda assim, as ações na Europa estão começando a parecer menos baratas. O índice espanhol IBEX 35 acumula alta de 37% desde o fim de julho e, na Itália,o índice FTSE MIB subiu 35%. Após a alta desta semana, as perspectivas para a relação preço/lucro na Europa poderão romper um patamar de 11 vezes, abaixo do qual se mantiveram durante os últimos três anos, segundo o Morgan Stanley.

O BCE e o Fed comprovaram que conseguem levantar o "p" nas relações preço/lucro. Mas os lucros das empresas dependem da economia real.

As compras de títulos pelo BCE têm a ver com a eliminação dos "riscos de cauda" na zona do euro - e não com estimular o crescimento econômico. Se o BCE comprar títulos espanhóis com maturação em dois anos, isso não fará nenhuma diferença para o PIB espanhol neste ano", diz Secker.

Nos EUA, as expectativas de P/L para as companhias incluídas no S&P 500 ultrapassaram 14 pela primeira vez desde 2010, tornando-se difícil para os otimistas argumentar que as ações nas bolsas americanas parecem baratas, segundo padrões históricos - especialmente tendo em vista que o crescimento dos lucros das empresas no S&P 500 está quase parando.

Tobias Levkovich, estrategista-chefe para bolsas de valores americanas no Citigroup, diz que o clima mudou desde antes da alta no verão. "As coisas que em junho e julho nos sinalizavam que deveríamos estar no mercado diminuíram", diz ele. Em vez de níveis excessivos de cautela, que haviam criado uma oportunidade para comprar, a atmosfera tornou-se mais complacente.

"Quando os mercados estão em modo complacente, podemos ter oscilações", diz ele. "Em algum momento, provavelmente em torno do início de outubro, as pessoas vão ficar bastante focadas em 2013. E ainda há muita incerteza sobre 2013 - abismo fiscal, China, Europa, Irã... Será que o Fed tem como fazer algo a respeito disso? Pode ser, mas eu duvido." Channing Smith, gerente de portfólio na Advisors Capital, em Oklahoma, acrescenta: "Essa foi a última aposta em estímulo monetário. Em alguns momentos, os mercados vão começar a refletir sobre o estado da economia mundial e sobre as perspectivas para os lucros empresariais, em vez de analisar os discursos dos presidentes de bancos centrais."