Título: Uma vitória do PT que pode não ser do governo
Autor: Valor Online
Fonte: Valor Econômico, 07/02/2007, Opinião, p. A14

Existem duas análises possíveis da vitória do deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP) na disputa pela presidência da Câmara. Uma é aritmética: somando-se os votos obtidos por ele e pelo seu mais forte adversário, Aldo Rebelo (PCdoB), que também é da base aliada, e o número das bancadas dos partidos que oficialmente se aliaram ao governo, aprovar um projeto do Executivo pode ser um passeio. Outros dados, no entanto, desmentem a matemática. E a dificuldade pode ser resumida numa frase do líder do PCdoB na Câmara, Renildo Calheiros (AL), após a derrota imposta por Chinaglia a Rebelo: "A eleição para a Câmara deixou claro que, para o PT, o importante é o próprio PT".

A vitória do PT, às vésperas de um congresso nacional do partido, onde os grupos internos vão lavar suas roupas sujas, pode ser um péssimo negócio para o governo. Em primeiro lugar porque, fortalecida na Câmara, onde viveu seus piores momentos no ano passado, a legenda teoricamente reforçou o seu poder de negociação na formação do ministério do segundo mandato. A proximidade do congresso do partido, no entanto, começa a expor as recomposições e dissensões internas dos grupos. Agora não mais pelo estrito critério ideológico, mas por visões diferenciadas sobre o perfil do partido, por ambições de formar um grupo hegemônico que dê suporte a uma candidatura em 2010 e até pela visão de que a legenda se desarticulou, num primeiro momento, pela falta de visão do que era ser um partido governista e, num segundo, pela exposição pública do excessivo pragmatismo daqueles que não apenas conviveram pacificamente com o poder, mas trabalhavam por um projeto hegemônico também para o país, que em última instância significa um projeto de continuidade pós-Lula. Negociar lugares no ministério com um PT agora dividido em grupos que expõem suas divergências será muito mais complicado.

O outro complicador é que, antes de o governo Lula tirar vantagens de sua recém-formada aliança com o PMDB, o seu partido se antecipou. Juntos, estão fortalecidos para as negociações de ministérios. Essa aproximação resultou numa quase automática aliança entre PCdoB, PSB e PDT que, na pior das hipóteses, desobriga-os a um alinhamento automático com o governo. Em reunião que fizeram as bancadas para "demarcar terreno" com o PT, no mínimo ficou claro que acabou a época do apoio incondicional - e entra a era das "discussões programáticas". Quando o novo líder do PSB, Márcio França (SP), constatou a presença de 68 deputados no evento, chegou a afirmar: "Podemos obstruir qualquer votação com essa bancada". Não é desprezível, também, o fato de que os três partidos juntos elegeram cinco governadores, em Pernambuco, Ceará, Amapá, Maranhão e Rio Grande do Norte. E que o agora deputado e ex-ministro Ciro Gomes desponta naturalmente como uma alternativa de poder para essas forças.

Não são apenas os problemas que dizem respeito ao andamento do Legislativo no segundo mandato de Lula que têm potencial de dificultar a ação do presidente. A reunião ocorrida no final de semana dos integrantes do Campo Majoritário - que mudou apenas o nome e agora designa-se "Construindo um novo Brasil", mostra a mesma disposição hegemônica e a recomposição das mesmas forças que comandaram o partido nos últimos 10 anos. E, lembre-se, foi desse grupo que saíram os protagonistas que colocaram não apenas o partido em xeque, mas o próprio governo.

A tentativa de Tarso Genro de emplacar no partido um documento com duras críticas à atual direção, bem como de questionar a hegemonia paulista no comando, pode tornar-se uma conversa entre surdos. Embora existam movimentos paralelos para encurtar o mandato do atual presidente, Ricardo Berzoini, existe uma resistência enorme à discussão sobre a influência paulista na direção do partido. Se colocada no centro do debate, a questão federativa pode ter o poder de substituir o debate de fundo, que são os vícios de organização partidária, o excessivo poder concedido pelo domínio da máquina partidária sobre os demais integrantes e as práticas pouco ortodoxas que colocaram o partido em questão no último ano.