Título: Seae e Cade defendem mudanças na lei das teles
Autor: Basile, Juliano
Fonte: Valor Econômico, 07/02/2007, Especial, p. A16

A Secretaria de Acompanhamento Econômico (Seae) do Ministério da Fazenda e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) alertam para a necessidade de mudanças na legislação de telecomunicações e defendem uma reformulação na estrutura da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).

O objetivo dessa reformulação seria adequar a agência à nova dinâmica do mercado. Dois estudos da Seae verificaram que o setor de telecomunicações vive um período de convergência entre os serviços, mas a Anatel continua julgando as empresas dividindo os setores em que elas atuam por tecnologias. Essa prática é considerada anacrônica pela Fazenda e pelo Cade, especialmente em função das mudanças que estão acontecendo no perfil desta atividade.

A Embratel, por exemplo, que atua tradicionalmente na telefonia fixa, é dona da Vésper (que atua na telefonia fixa via rádio) e os mesmos sócios controladores, os mexicanos da Telmex e America Móvil, comandam a Claro (empresa de telefonia móvel), e participação do controle da Net (empresa de TV a cabo em parceria com o grupo Globo). Além disso, os mexicanos fizeram proposta de compra da TIM.

A Telefônica (telefonia fixa) comprou a TVA (TV por assinatura). E as companhias de telefonia fixa querem participar do leilão de tecnologia WiMax (transmissão de dados sem fio) nas respectivas áreas geográficas de atuação, o que não foi permitido pela Anatel.

Esse novo desenho no mercado motivou a Seae a fazer dois estudos. No primeiro, a secretaria defendeu a necessidade de reformas urgentes na Lei Geral de Telecomunicações (LGT). No segundo, a Seae analisou a influência dos fornecedores de acesso à internet sobre o conteúdo das informações que circulam em suas redes.

O coordenador-geral de Comunicação e Mídia da Seae, Marcelo de Matos Ramos, explicou que, com o crescimento da banda larga, as empresas começaram a oferecer serviços multimídia na internet. Com isso, passaram a competir com outros negócios. "Antes, analisávamos fusões e aquisições na área de mídia. Agora, tentamos antecipar problemas que podem acontecer no futuro próximo."

Para a Seae, a Anatel deveria regular a competição entre as empresas sem separá-las pelos segmentos de telefonia fixa, TV a cabo ou internet. Isso porque as empresas hoje prestam serviços em mais de um segmento. Muitas vezes, elas fazem promoções unindo serviços diferentes dentro de um mesmo pacote oferecido aos consumidores. Elas vendem, por exemplo, TV a cabo e banda larga num pacote só.

No Cade, o conselheiro Luiz Carlos Delorme Prado concluiu que o Brasil precisa rever urgentemente sua legislação de telecomunicações para passar a analisar a convergência entre os serviços. "Os desenvolvimentos no setor de telecomunicações apontam firmemente para a chamada convergência digital entre telefonia fixa, móvel, computação e serviços de comunicação", admitiu o conselheiro.

Prado fez amplo estudo ao analisar a compra de participação minoritária da Net Serviços (empresa de TV a cabo) pela Telmex (que atua em serviços essenciais no setor de telecomunicações, na transmissão de dados, na telefonia e em banda larga). Ele apontou, em seu voto, que a convergência entre esses setores é inevitável e a LGT terá de ser revista com urgência. "O arcabouço legal e regulatório brasileiro precisa ser repensado com o intuito de não ser atropelado pelo desenvolvimento tecnológico, ou mesmo tornar-se um obstáculo intransponível para este processo", afirmou Prado.

A Seae e o Cade procuraram mostrar, em seus estudos, a importância de o governo ficar atento ao que ocorreu em países onde os mercados de telecomunicações e de mídia estão mais desenvolvidos. Na Inglaterra, nove agências foram unidas em uma só. O Office of Communications (Ofcom) juntou nove agências que regulavam os setores de TV, rádio, telecomunicações e serviços de comunicação sem fio. O objetivo foi garantir uma regulação mais adequada dos diversos serviços prestados nos setores de comunicação e mídia.

Nos Estados Unidos, a legislação de teles (Telecommunications Act), de 1996, também está sendo reformulada por causa desse mesmo problema. Ramos afirmou que, apesar de a lei americana ter apenas dez anos, as autoridades daquele país estão revendo-a para adequar a norma à nova realidade. Nessa revisão, as companhias telefônicas e de serviços a cabo querem mais liberdade e flexibilidade para prestarem serviços distintos com menos barreiras regulatórias.

Prado concluiu que a atual organização da Federal Communications Commision (FCC, a agência de comunicações dos EUA) é ineficiente para acompanhar os desenvolvimentos tecnológicos dos setores regulados por ela. "A FCC deveria atuar por unidades funcionais e não com uma divisão por indústrias, como ocorre atualmente", disse o conselheiro.

Ramos e o assessor técnico da Seae, Marcelo Lima, concluíram que o Congresso deveria rever a LGT, de 1997. Segundo eles, essa lei falha em vários setores. Ela não abrange os serviços de rádio e TV abertos (radiodifusão). E, hoje, várias empresas desses setores querem atuar em outros ramos regulados pela LGT. Por outro lado, empresas que não possuem radiodifusão dependem de faixas de freqüência para atuarem em outros mercados. Por isso, a Seae defendeu que uma nova Lei Geral de Comunicações é indispensável para fomentar o crescimento de um mercado cada vez mais dinâmico.

Os técnicos da Seae concluíram também que a lei deve ser alterada para o uso eficiente do espectro rádio-elétrico - tecnologia de transmissão sem fio. A legislação precisa ser mais abrangente porque a evolução dos serviços sem fio e a convergência das mídias impuseram uma nova realidade: as empresas podem prestar uma série de serviços, que antes estavam separados por restrições tecnológicas. A primeira providência a ser tomada seria melhorar o aproveitamento do espectro, tornando mais flexíveis as licenças para a ocupação da largura de banda.

A Seae considerou também que a adoção do padrão digital para a TV aberta (foi escolhida a tecnologia japonesa) foi um importante passo para racionalizar o uso do espectro rádio-elétrico. Foi uma oportunidade única, segundo a Seae, para reestruturar o ambiente competitivo já que TV digital aberta permitirá que os serviços sejam oferecidos em faixas UHF, liberando as atuais freqüências VHF.

A Seae também enfatizou que a alteração das normas regulatórias no Brasil é urgente, pois a evolução da tecnologia que permite a transmissão de dados via ondas de rádio, ou sem fio é cada vez mais rápida. As tecnologias Wi-Fi e WiMax, por exemplo, facilitam muito o acesso aos serviços audiovisuais, de internet e de voz.

"A convergência é um fato", afirmou Ramos. Um exemplo foi o interesse das empresas pelo edital da Anatel para o uso de blocos de radiofreqüência para a exploração dos serviços de telefonia fixa e de comunicação multimídia. Segundo o estudo da Seae, mais de cem empresas apresentaram propostas, entre as quais concessionárias de telefonia fixa, serviços de televisão por assinatura e internet.

O advogado especializado em regulação Paulo Todescan Lessa Mattos adverte que o Brasil poderá perder investimentos se não for realizada uma reforma regulatória e as empresas estrangeiras não puderem investir em setores integrados de comunicação. Ele faz um alerta específico à ausência de sinal verde da Anatel para que as teles fixas possam disputar o leilão de WiMax nas respectivas áreas geográficas. "Se as companhias de telefonia fixa não puderem atuar em WiMax, talvez elas não deixem o país. Mas poderão cobrar mais caro pelos serviços, pois não poderão disputar novos mercados e, com isso, não terão incentivos à inovação."