Título: Vencimento da dívida externa é o menor desde 96
Autor: Lamucci, Sérgio
Fonte: Valor Econômico, 07/02/2007, Finanças, p. C1

Os vencimentos do principal da dívida externa privada e pública neste ano vão chegar ao mais baixo nível desde 1996, segundo o BNP Paribas. Serão US$ 21 bilhões, contra os US$ 44 bilhões de 2006. A previsão para 2008 é de nova queda, para US$ 16 bilhões. Desses totais, o governo terá de pagar apenas US$ 4 bilhões em 2007 e US$ 2 bilhões em 2008 de principal.

O mercado fez as contas e percebeu a queda nos pagamentos, o que traz mais tranqüilidade quanto à solvência externa do país, amplia a possibilidade de o Brasil chegar ao "grau de investimento", selo de investimento não-especulativo das agências de rating, e derruba o risco-Brasil, para 180 pontos básicos, queda de 6,25% no ano e novo recorde de baixa.

A expectativa de que vão sobrar mais dólares nas reservas internacionais, devido aos pagamentos menores do Tesouro, e no mercado interno de câmbio, com saída menor das empresas, ajuda a derrubar o câmbio. Resultado: o dólar foi a R$ 2,0860, seu menor valor desde 10 de maio de 2006, em nova queda no dia, de 0,43%, e no ano, de 2,39%.

Os vencimentos vêm caindo por conta da recompra antecipada de dívida externa de curto pelo Tesouro e empresas, aproveitando a sobra de caixa. "Tanto governo quando empresas fizeram gerenciamento de passivos e resgate líquido de dívida nos últimos anos", diz Alexandre Lintz, estrategista-chefe para América Latina do BNP Paribas.

Quando emitem papéis ou tomam empréstimos, os setores público e privado têm conseguido alongar prazos e reduzir custos. Isso impacta o volume de juros pagos ao exterior. Em 2003, quando o presidente Lula assumiu, o pagamento de juros da dívida externa do Tesouro foi de US$ 6 bilhões. Em 2007, a previsão é de que o total caia para cerca de US$ 4,8 bilhões.

Se, por um lado, as saídas para o pagamento da dívida externa deverão começar a ser menores neste ano, as entradas de recursos no país devem crescer. A queda no risco-Brasil estimula empresas, principalmente as de médio porte, a captar mais recursos no mercado externo de dívida. Ontem, por exemplo, o frigorífico Minerva resolveu ampliar em mais US$ 50 milhões sua captação externa de US$ 150 milhões de vencimento em dez anos feita inicialmente em janeiro.

A queda no risco-Brasil também estimula os investidores estrangeiros a comprarem mais ações nas emissões primárias feitas por empresas brasileiras. Hoje, cerca de 70% das ofertas iniciais de ações têm sido feitas por investidores externos. "A entrada maior de poupança externa deverá estimular os investimentos no país e a formação bruta de capital fixo", diz Lintz.

Em seus cálculos, Lintz considera que os investimentos em carteira serão de apenas US$ 4 bilhões, número conservador em relação aos US$ 14 bilhões de 2006. O time do Credit Suisse é mais agressivo: espera que o Brasil receba US$ 12,8 bilhões de investidores interessados em aplicar em ações (US$ 8 bilhões) e em títulos de renda fixa (US$ 4,8 bilhões).

Nilson Teixeira, economista-chefe do Credit Suisse, com base nas estimativas para as operações do balanço de pagamentos do setor privado, prevê sobra de US$ 22,6 bilhões neste ano, dos quais US$ 3,9 bilhões provenientes da conta corrente (que inclui a balança comercial, a de serviços e as transferências unilaterais) e e US$ 18,7 bilhões da conta financeira.

Lintz estima que, considerando-se entradas e saídas no mercado de câmbio e compras de US$ 6 bilhões do Tesouro, o Banco Central terá de adquirir US$ 30 bilhões se quiser que o dólar fique na casa dos R$ 2,10. Lintz prevê, no seu cenário, que a taxa básica de juros Selic vai terminar em 10,5% ao ano e que as reservas chegarão a US$ 120 bilhões. O Credit Suisse vê reservas de US$ 113 bilhões.

Para Lintz, se o BC mantiver o ritmo de corte de 0,25 ponto percentual na taxa Selic a cada reunião do Comitê de Política Monetária e se o cenário de liquidez internacional continuar inalterado, a autoridade monetária não vai conseguir conter o tombo na moeda americana. Afinal, o grande diferencial de juros externos e internos traz o dinheiro dos investidores de carteira, mas também dos exportadores.

Para o economista Caio Megale, da Mauá Investimentos, sem a intervenção da autoridade monetária a moeda americana poderia estar na casa de R$ 1,80. Mais do que comprar um seguro contra uma eventual crise no futuro, a atuação do BC hoje visa a suavizar o movimento da taxa de câmbio num cenário de ampla sobra de dólares.

A oferta de dólares vem de várias fontes. Além dos investimentos em carteira, a balança comercial, que deve registrar um superávit na casa de US$ 38 bilhões a US$ 40 bilhões neste ano e o fluxo esperado de investimentos estrangeiros diretos deve ficar na casa de US$ 17,5 bilhões, nas estimativas do Credit Suisse. Lintz estima que o saldo na balança comercial vai chegar a US$ 37 bilhões, as remessas de juros e dividendos vão atingir US$ 23 bilhões, as empresas brasileiras vão realizar investimentos diretos no exterior de US$ 6 bilhões, o investimento externo estrangeiro vai chegar a US$ 19 bilhões e a rolagem da dívida externa privada será de 100%.

A forte acumulação de reservas torna o país ainda mais atraente aos olhos da comunidade internacional. Em 2002, o caixa do país em moeda forte era de apenas US$ 16,3 bilhões, descontando os recursos do Fundo Monetário Internacional (FMI). De lá para cá, elas aumentaram 466%, considerando o nível de US$ 92,3 bilhões da segunda-feira. Para Teixeira, a compra de reservas continua válida porque reduz ainda mais a vulnerabilidade da economia brasileira a uma eventual crise externa. "E muitos outros países além do Brasil acumulam reservas", diz.

A questão é que o benefício de se acumular reservas é bem menor hoje do que quando elas eram de apenas US$ 16,3 bilhões, principalmente porque esse processo tem um custo fiscal elevado. Quando compra dólares, o BC injeta reais na economia. Para evitar um aumento do volume de dinheiro em circulação, o Tesouro enxuga a liquidez por meio da emissão de títulos públicos, que pagam juros altos - a taxa Selic, que corrige algo como 40% da dívida doméstica, está em 13% ao ano. As reservas são remuneradas por taxas bem mais baixas, como a Libor, hoje na casa de 5,4% ao ano. Uma redução mais rápida da Selic tornaria esse processo menos pesado, pois reduziria o diferencial de custos.