Título: Ladeira Abaixo
Autor: Zaparolli, Domingos
Fonte: Valor Econômico, 19/10/2006, Caderno Especial, p. F1

A participação das micro e pequenas empresas brasileiras no comércio exterior ainda é tímida. Em 2005, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, elas foram responsáveis por embarques que somaram US$ 2,15 bilhões, apenas 1,8% das exportações do país.

Na Itália, por exemplo, micro e pequenos empresários respondem por 45% das exportações nacionais. Nos Estados Unidos, por 25%. Em países como Dinamarca, Coréia do Sul e Taiwan, aproximadamente 40% das vendas externas são realizadas por negócios de pequeno porte. A diferença é brutal.

"A tradição do empresário brasileiro é atender o mercado interno. A cultura exportadora é muito recente entre nós e só agora começa a chegar aos pequenos empresários", justifica o diretor superintendente do Sebrae-SP José Luiz Ricca.

A boa notícia é que uma série de instituições públicas e privadas, como o próprio Sebrae, a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e a Apex Brasil, nos últimos anos, passaram a estimular uma postura mais voltada para fora entre os pequenos empresários.

A má notícia é que, apesar deste esforço, o desempenho das micro e pequenas empresas brasileiras no comércio exterior encontra-se em declínio. Enquanto as exportações totais do Brasil cresceram 22,6% entre 2004 e 2005, as vendas externas das empresas de pequeno porte caíram 15,8%.

O número de micro e pequenos exportadores recuou de 10.790 para 9.150 empresas no último ano. Entre as empresas que abandonaram seus mercados externos, 283 exportavam há mais de seis anos.

A expectativa para 2006 também não é nada boa. "Devemos assistir a um novo recuo no número de exportadores", avalia Fernando Ribeiro, economista-chefe da Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex). O motivo é um só. "A atual cotação do real inviabiliza as exportações do pequeno empresário", diz o economista.

Um estudo realizado pela Fiesp analisou os 31 principais setores exportadores do país e constatou que 24 deles estão sendo afetados pela valorização cambial, calculada em 30% nos últimos dois anos. Destes setores, 14 enfrentam um problema simultâneo: preços internacionais restritivos para seus produtos, o que impossibilita a compensação, via preço, da variação cambial.

Entre os setores mais afetados estão os de vestuário, calçados, móveis, produtos de madeiras e plásticos. "São atividades típicas de atuação dos pequenos empresários exportadores", diz o economista André Rebelo, coordenador do estudo.

Para José Augusto de Castro, vice-presidente da Associação do Comércio Exterior do Brasil (AEB), a valorização do real só deixa duas alternativas aos empresários de manufaturas, segmento onde atuam 80% dos pequenos exportadores: sacrificar a margem de lucro para manter mercados ou deixar de exportar.

"A questão é que o pequeno empresário não tem capital para bancar transações comerciais que geram prejuízos em nome de possíveis ganhos futuros", diz o executivo.

Foi justamente a desvalorização do real, a partir de 1999, que deu o impulso inicial para um movimento exportador entre os pequenos empresários. Entre 1998 e 2004, as vendas externas das micro e pequenas empresas apresentaram crescimento de 66,7%, aponta pesquisa da Funcex.

O boom exportador entre os pequenos também foi incentivado por um esforço coletivo para estimular a cultura exportadora liderado pela Agência de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex Brasil).

Criada em 1997, a Apex atua por meio de parcerias com entidades empresariais setoriais. Em 2003, a agência tinha acordos com 16 setores. Este número agora chega a 70. Apenas em 2005, a instituição foi procurada por 15.800 pequenos empresários querendo informações sobre comércio exterior.

"O pequeno empresário entendeu que, independentemente de problemas conjunturais, como o câmbio, diversificar mercados, exportando, é uma estratégia importante para seus negócios", diz Juan Queirós, presidente da Apex Brasil.

O trabalho da Apex envolve ações de inteligência comercial, como a definição de mercado-alvo, análise da concorrência e preços internacionais, planejamento de logística e distribuição. Envolve também a aproximação com potenciais compradores. Nos últimos três anos, a agência apoiou a participação de pequenos empresários em dois mil eventos internacionais em 60 países.

Patrocinou a visita ao Brasil de formadores de opinião e compradores internacionais estratégicos, que vieram conhecer produtores brasileiros. A agência também realizou parcerias com redes varejistas internacionais, como Carrefour, Casino, Selfridges e Shangai Sugar Cigarette, que aceitam abrir espaço para a promoção de produtos brasileiros em suas lojas. Já são 67 mil pontos de venda em 30 países. "Nossa meta é conquistar o consumidor final", diz Queirós.

Desde 2005, a Apex passou a investir na criação de centros de distribuição no exterior. Os centros disponibilizam aos pequenos empresários depósitos, escritórios, show room e apoio administrativo e jurídico por US$ 800,00 mensais. "Uma estrutura independente em Miami não sairia por menos de US$ 13.700", afirma o presidente da Apex.

No total, já são cinco centros de distribuição: Miami, Lisboa, Frankfurt, Varsóvia e Dubai. O centro de Miami atende 155 empresas brasileiras, sendo que 70 delas optaram por abrir subsidiárias nos Estados Unidos, em busca de financiamentos mais baratos e maior confiança do comprador. "A internacionalização é uma demonstração de que o pequeno empresário já raciocina com a idéia de mercados globais", diz Queirós.

José Luiz Ricca observa que a busca do mercado externo tem despertado o pequeno empresário para duas necessidades: o aperfeiçoamento da qualidade e a ampliação da capacidade produtiva. "As encomendas internacionais estão promovendo o associativismo produtivo entre os pequenos", diz o executivo.

Um exemplo, citado por Ricca, é o surgimento dos chamados Arranjos Produtivos Locais (APL), como o que reúne 34 pequenos produtores de sapatos infantis em Birigui, no interior paulista. Há dois anos estes empresários não exportavam. Em 2005, 14,5% da produção foi destinada a compradores latinos, asiáticos e africanos. Recentemente, eles firmaram um acordo coletivo para a expansão em 4% o volume exportado.

Um apoio importante para o desenvolvimento da qualidade tem sido oferecido pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) de São Paulo, com o Progex - Programa de Apoio Tecnológico à Exportação. Ele presta assessoria produtiva, apoio técnico e adequação internacional de produtos e embalagens a pequenos empresários que mirem o mercado externo.

A Fiesp é outra instituição envolvida no esforço de ampliar a ação internacional das pequenas empresas. Milton Antônio Bogus, diretor do departamento de micro e pequenas empresas, informa que a entidade está desenvolvendo duas novas iniciativas com este objetivo.

Uma ação envolve o incentivo a formação de joint ventures ou parcerias entre pequenos empresários brasileiros e estrangeiros. O primeiro projeto já está em andamento e reúne APLs paulistas e clusters italianos. Uma comitiva de empresários brasileiros estará na Itália neste dia 20 para realizar uma rodada de negociações.

A estratégia é desenvolver parcerias onde as empresas italianas entrariam, principalmente, com tecnologia e designer e sua capacidade de distribuição de mercadorias no exterior, enquanto que os brasileiros se encarregariam principalmente da produção. "Nossos custos produtivos são mais baixos e podemos tornar os produtos deles mais competitivos no mercado internacional", diz Bogus.

O dirigente informa que a Fiesp também já detectou oportunidades de formação de parcerias com produtores espanhóis, franceses, mexicanos e chilenos.

O outro projeto em andamento na Fiesp é o de parceria com grupos multinacionais com atuação no Brasil. "Muitas destas empresas compram de pequenos fornecedores brasileiros, aprovam seus produtos. Elas podem apresentar nossas empresas às suas coligadas no exterior", diz o executivo. Negociações neste sentido, informa Bogus, já estão em andamento com a General Motors e a Siemens.

Enquanto o câmbio não comprometia as exportações, a participação do pequeno empresário brasileiro no comércio exterior se ampliou fortemente. Em 2002, eram 9.137 exportadores, informa o Ministério do Desenvolvimento. O número cresceu até o pico de 10.790 em 2004.

O câmbio favorável, como lembra Augusto de Castro, tem o poder de amenizar desvantagens competitivas comuns aos pequenos empresários, como a baixa produtividade decorrente da menor escala produtiva e de uma mão-de-obra menos qualificada.

O desafio agora, acredita Juan Queirós, é conquistar mercados externos com uma situação de adversidade cambial. "A estratégia é investir em qualidade, agregar valor aos produtos e competir em nichos de mercados mais sofisticados", diz o executivo. Augusto de Castro, porém, mostra-se cético. "Uma exportação é resultado de um planejamento de dois anos. Se o câmbio torna o futuro imprevisível, como investir na conquista de novos mercados?", indaga.