Título: Em Minas, caminhões-pipa têm GPS para evitar uso eleitoral
Autor: Moura , Marcos de
Fonte: Valor Econômico, 19/09/2012, Política, p. A14

Desde o mês passado, caminhões-pipa que distribuem água nas áreas atingidas pela seca no norte de Minas Gerais circulam com aparelhos de GPS. A novidade já está em todos os 152 caminhões contratados atualmente pelo governo do Estado. O objetivo é saber se os veículos estão realmente percorrendo localidades que precisam de água e ao mesmo tempo evitar uma prática que desafia o tempo: a troca de água por voto.

A iniciativa partiu da Defesa Civil Estadual, que até então tinha pouca ou nenhuma ferramenta para checar se os caminhões pagos pelo governo para atender a pedidos de prefeitos por água estavam mesmo fazendo o serviço.

Minas, juntamente com vários Estados do Nordeste, sente este ano os efeitos de uma das piores secas dos últimos 30 anos. E seca em período de eleições, como este, geralmente é uma combinação ruim. "A lógica era essa: na comunidade em que o prefeito tinha prestígio ele mandava caminhão-pipa; para as áreas mais ligadas a seus adversários, não", resume o coronel Luis Carlos Dias Martins, chefe do gabinete militar do governo e coordenador estadual da Defesa. Ele recebeu a reportagem em seu gabinete da sede do governo.

Além do uso eleitoreiro da água, o sistema anterior permitia que donos de caminhões burlassem o contrato para distribuição de água, segundo Martins. Como recebiam um fixo de R$ 5,5 mil por mês, se os motoristas deixassem de ir a comunidades mais distantes num mês, receberiam o mesmo valor. Com o GPS, diz Martins, o caminhão é monitorado em seu percurso e recebem por quilômetro rodado. "Os motoristas rodam agora às vezes 60 km para chegar a uma comunidade seca; antes iam 5 km e voltavam", diz o militar.

Na semana passada, seis equipes da Defesa Civil estiveram em localidades do semi-árido para fazer a primeira avaliação do novo serviço de caminhões monitorados. "Até agora não recebi nenhuma queixa de uso eleitoreiro da distribuição da água", diz Martins.

O risco desse tipo de prática é o tema de uma campanha lançada no mês passado pela Articulação do Sem-Árido (ASA), uma entidade que atua junto à população de áreas de seca no Nordeste e em Minas. A campanha se chama "Não troque seu voto por água". E lembra que a lei federal 9.840/99 estabelece como crime a prática da oferta de benefícios em troca de voto é crime.

O coronel Martins diz que a instalação do GPS gerou desconfiança. Pipeiros ficaram preocupados se continuariam a receber o que recebiam antes. E quanto a políticos de regiões atingidas pela seca? "Fomos preparando as pessoas, sabíamos que poderíamos ferir interesses de políticos, prefeitos e até deputados".

Os prefeitos definem as comunidades onde os caminhões devem visitar a cada mês e a Defesa Civil define uma área por onde os motoristas podem circular para cumprir a tarefa. Martins imagina que uma evolução do programa seria a definição das comunidades pela própria população. Como não há uma cooperativa de "pipeiros", o governo contrata os caminhões um a um.

O governo Antonio Anastasia (PSDB) não comprou os GPS. Firmou um contrato de R$ 108 mil com uma empresa privada, a CST Desenvolvimento de Software e Captura de Dados pelo aluguel dos aparelhos e elaboração de relatórios sobre o percurso dos caminhões. Os recursos usados no contrato são parte de um repasse de R$ 10 milhões do governo federal para a ajuda emergencial às comunidades atingidas pela seca.

"Qualquer medida para ter um controle maior sobre a distribuição da água é interessante, resta saber se vai funcionar", pondera Maria das Dores Magalhães Veloso, doutora em Engenharia Florestal e professora da Universidade Estadual de Montes Claros, maior cidade do norte de Minas. Segundo ela, um dos desafios, é garantir que a água chegue mesmo às populações carentes.