Título: Mercado teme a transferência do controle cambial para a Receita
Autor: Lucchesi, Cristiane Perini
Fonte: Valor Econômico, 19/10/2006, Finanças, p. C2

Os participantes do mercado de câmbio temem que a Receita Federal seja mais dura e cometa mais erros do que o Banco Central na fiscalização das operações cambiais e na imposição de multas pelo não cumprimento das regras. A transferência da fiscalização do BC à Receita faz parte das mudanças baixadas pelo Executivo por meio de consecutivas medidas provisórias, todas parte do chamado "pacote cambial".

Até hoje a quase totalidade das alterações previstas no pacote não está em vigor, por falta de regulamentação do BC, Receita e Comissão de Valores Mobiliários. O mercado já se pergunta até mesmo se haverá tempo para aprovação da MP 315, a primeira do pacote, antes que ela prescreva, o que vai acontecer em novembro. Ou mesmo se sua constitucionalidade não será questionada na Justiça - a Constituição Federal veda edição de MP sobre matéria reservada a lei complementar, como parece ser o caso. As dúvidas sobre a aplicação prática do pacote se avolumam.

"Quando alguma empresa errava involuntariamente ou se enganava com relação a um procedimento cambial a gente conversava com o Banco Central que nos dava a chance de corrigir e até mesmo ensinava como", afirma Miriam Tavares, diretora de câmbio da AGK Corretora de Câmbio. Segundo ela, aparentemente será necessário uma mudança importante na estrutura da Receita para que a instituição se torne acessível dessa forma. "O nosso medo é que a partir do pacote cambial nós passemos a ser autuados e não mais cobrados como éramos pelo BC", comentou a especialista, durante seminário sobre a reforma cambial realizado ontem, em São Paulo.

"O fato de o controle das operações cambiais ser transferido para a Receita nos pegou de surpresa também", afirmou o próprio analista do Banco Central José Roberto Dias da Silva. Ele deixou claro que, a partir da implantação das novas regras, o BC passará apenas a subsidiar a Receita com informações sobre o câmbio. "Qualquer informação exigida pela Receita, sem restrição, será dada pelo BC", fez questão de destacar. Isso significa que a Receita passará a ter mais acesso à conta bancária dos exportadores no país e possivelmente também no exterior.

A probabilidade de a Receita errar em questões cambiais foi considerada maior pelos participantes do evento, devido à própria inexperiência de seus funcionários. O especialista em câmbio Emílio Garófalo sugere que os funcionários mais especializados do BC sejam emprestados à Receita em um primeiro momento de transição. "Ainda não sabemos claramente, no entanto, qual o tamanho da transferência de responsabilidade do BC para a Receita", disse Garófalo, para completar, brincando, que a relação entre a Receita e o BC é semelhante à de "Tom e Jerry".

As empresas, por enquanto, não têm deixado 30% de suas receitas com exportação no exterior, pois faltam definições sobre como se dará o controle da Receita e como incidirão os tributos sobre, por exemplo, aplicações de recursos no exterior ou pagamentos de juros de empréstimos externos. Não se sabe se os 30% serão calculados sobre cada Registro de Exportação, sobre as receitas trimestrais ou as mensais.

Bruno Balduccini, sócio do escritório de advocacia Pinheiro Neto, lembra que falta também uma regulamentação do BC definindo de que forma será regularizado o chamado "capital contaminado" - o investimento direto externo no país não contabilizado por diversas razões. A MP 315 se propõe a regularizar essa situação. Mesmo a MP que permite que empresas e pessoas físicas invistam em ações e derivativos no exterior ainda carece de definições e regras da CVM.