Título: Para mercado, atuação do governo gera instabilidade
Autor: Spotorno , Karla
Fonte: Valor Econômico, 19/09/2012, Investimento, p. D2

No mercado de ações, quanto mais previsibilidade melhor. Por isso, alguns especialistas avaliam que mesmo fazendo a lição de casa e estudando profundamente o preço justo dos ativos quando o Estado tem uma atuação mais forte na economia os preços dos ativos acabam sofrendo. "Para o investidor, o pior é a instabilidade que o ativismo do governo acaba gerando", afirma Mauro Rodrigues da Cunha, presidente da Associação de Investidores do Mercado de Capitais (Amec). "É difícil imaginar, hoje, um setor que não esteja passando por essa falta de previsibilidade ", diz.

A instabilidade acaba deixando mais apreensivo o investidor disposto a aplicar seus recursos no médio e longo prazos, avalia um especialista. O capital especulativo, que busca ganhar no curto prazo seja com posições compradas ou vendidas, é de certa forma menos sensível a essa falta de previsibilidade, diz, já que busca ganhos no curto prazo, seja na alta ou na baixa. "O investidor de bolsa tem memória curta. É só um setor ou empresa cair muito que todo mundo se anima e compra de novo", diz o especialista. O problema, acrescenta, é que podem deixar de vir os investidores do setor real. "O capital estrangeiro de longo prazo para o setor de infraestrutura pode ser afetado, porque as regras mudam a toda hora", completa.

Os efeitos das mudanças no setor elétrico puderam ser vistos no mercado de ações na semana passada. A incerteza atingiu não apenas distribuidoras, geradoras e transmissoras de energia, como também concessionárias de outros setores. Como diz Eduardo Miziara, gestor da Capitânia, concessão virou um palavrão nos últimos dias. "Algumas companhias acabaram sofrendo um forte desconto sem fundamento. As empresas e os setores são diferentes. Precisam ser avaliados de forma separada", diz.

O ativismo do governo também precisa ser avaliado observando as medidas separadamente, na opinião de Miziara. Algumas geram efeito positivo e multiplicador, como é o caso do Programa de Financiamento Estudantil (Fies), para estudantes que, por falta de recursos, não ingressavam na universidade ou desistiam do curso assim que ficavam inadimplentes. "Não é um gasto. Deve ser visto como um investimento", diz Miziara, salientando o ganho para o país com a formação de capital humano e para as companhias abertas do setor de educação. Já o aumento do Imposto de Importação (II) sobre diversos produtos precisa ser avaliado com mais cautela. "Nessa lista, há produtos em que a indústria nacional estava sofrendo concorrência desleal dos importados. Mas há outros em que as empresas brasileiras não eram competitivas", diz Miziara.

Miziara afirma que, por princípio, a participação ativa do governo na economia não é saudável. Lembra que a história brasileira mostra alguns fracassos do ímpeto empreendedor do governo, como foi a reserva de mercado para a indústria de informática. "A questão é que também não dá para entrar no "jogo do mercado" de forma puritana. Se o adversário não joga limpo, o país precisa tomar medidas defensivas contra agressões desleais [à concorrência]", afirma.

Flavio Sznajder, sócio-gestor da Bogari Capital, afirma que as recentes medidas tomadas pelo governo, de olho na redução de spreads bancários, desoneração fiscal, entre outros, são necessárias, uma vez que representam problemas estruturais do país. "Mas o estilo do governo atual tem vantagens e desvantagens. A vantagem é que a presidente Dilma está fazendo alguma coisa. O que se pode questionar é a forma." Para ele, isso nada tem a ver com intervenção, nem no caso do setor elétrico, já que não houve quebra de contrato. "Chamaria de definição de temas antigos."

Para Cunha, da Amec, falta uma linha mestra que conduza todas as medidas do governo e garanta a previsibilidade necessária para o investidor. Sem isso, complementa um executivo do mercado que preferiu não ser identificado, "continuam sendo privilegiados as empresas e os setores de sempre".

A situação de algumas empresas de capital misto é ainda mais complicada, na opinião do presidente da Amec. "Hoje, nenhum investidor em sã consciência consegue enxergar atratividade [em companhias como a Petrobras ]. Sem conseguir fazer contas em razão das incertezas, acaba dando um desconto grande no preço das ações." No fim de agosto, a associação enviou uma carta aberta à Petrobras para discutir a ingerência do governo na empresa, especialmente sobre a representação dos acionistas minoritários no conselho de administração. "Mais do que estabilidade, é preciso haver canais de comunicação entre governo e mercado", afirma.

Para Marcelo Sá Earp, sócio-gestor da First Value Capital, quando empresas de capital misto são envolvidas em outros fins, como a política econômica, não há por que mantê-las abertas. O controlador tem de ser minimamente alinhado com o acionista minoritário, poupador individual direto e indireto via fundos de ações e de pensão, que é uma fonte de capital mais barata para a companhia, defende. "Qual o sentido de tomar decisões sem considerar o minoritário?", questiona.

Porém, há quem veja isso como algo previsível: "Qualquer investidor inteligente sabe que, em empresa de capital misto, ele está sujeito a interferências", pondera um executivo de uma gestora de recursos.