Título: Para concretizar o PAC
Autor: Valor Online
Fonte: Valor Econômico, 09/02/2007, Opinião, p. A15

O lançamento do PAC teve o grande mérito de colocar em pauta o desafio de como efetivamente fazer subir para 25% a taxa agregada de investimento/PIB, condição necessária para crescer a 5% ao ano com estabilidade de preços. O governo se propôs a investir diretamente e/ou a induzir um volume de R$ 500 bilhões em infra-estruturas (energia, transportes, infraestruturas urbanas, logística) no período 2007-2010. Mas, para alcançar o patamar de 25% do PIB, é necessário que, além destes R$ 500 bilhões (R$ 125 bilhões/ano), cerca de R$ 1.600 bilhões sejam investidos simultaneamente pelos agentes privados no mesmo período (isto é, cerca de R$ 400 bilhões/ano). Trata-se, portanto, de um desafio grandioso que vai além da vontade e da competência do governo em implantar o programa. Ou seja, compreende necessariamente a geração de confiança e a mobilização do setor privado e da sociedade para que aconteçam as decisões de investimento na escala desejada. Será isso possível?

É pertinente, de início, questionar que as bases fiscais do PAC não parecem suficientes e que - além da contenção das despesas com pessoal já proposta pelo governo - é indispensável equacionar uma reforma do sistema previdenciário que assegure um espaço fiscal crescente a longo prazo para sustentar os investimentos públicos e ainda viabilizar uma redução gradualista da carga tributária. É fundamental, portanto, que prospere com transparência e profundidade a discussão a respeito da reforma da previdência no âmbito do Fórum proposto pelo próprio PAC. A atitude construtiva e politicamente responsável por parte de todos (governo federal, partidos do governo e da oposição, centrais sindicais e entidades patronais, governadores, intelectuais) deve ser a de examinar em boa fé os diagnósticos e as diferentes propostas de reforma em todos os seus aspectos para que se consiga chegar a formulações justas e razoáveis que possam ser aprovadas pela maioria necessária às emendas constitucionais.

-------------------------------------------------------------------------------- Seria sensato trazer o câmbio para trajetória competitiva, ainda que isto traga efeitos transitórios sobre os custos fiscais e sobre a inflação --------------------------------------------------------------------------------

Mas, além desta desafiadora agenda social e política, o governo Lula precisará realizar um extraordinário esforço de gestão - superando o medíocre desempenho observado até o presente - para concretizar o PAC. A gestão dos processos administrativos públicos tornou-se demasiadamente complexa e lenta em função dos requisitos burocráticos de controle e da grande insegurança jurídica para o administrador decorrente da contestabilidade das decisões, especialmente das licitações. Efetivamente, não é fácil conceber e executar licitações de obras e serviços de grande porte, para concessões a investidores privados, sob condições técnicas e econômico-financeiras complexas. De saída, é preciso zelar e assegurar a qualidade dos projetos e depois otimizar o seu custo/benefício do ponto de vista social sem inviabilizar o interesse privado. Trata-se da delicada tarefa de obter as tarifas mais baixas possíveis para os usuários dos serviços/bens públicos de modo compatível com a taxa de retorno mínima exigida pelo investidor privado. Trata-se, ainda, de conciliar a minimização dos danos ambientais com os benefícios econômicos. Tudo isso tem que ser feito sob regras legais freqüentemente ambíguas e sob práticas regulatórias recentes, com frágil jurisprudência. Por isso a necessidade de acelerar o amadurecimento institucional através do engajamento de todos os atores e de processos transparentes de consulta pública, porém com prazos limitados pela urgência dos investimentos. Por isso, também, a necessidade de que o Judiciário compreenda e auxilie a gerar segurança jurídica para o investidor privado (uma vez cumpridos corretamente os passos da escolha pública) de modo a reduzir a taxa de risco requerida para investir.

Pelo fato de que não será candidato em 2010 e, ainda, pela força eleitoral dos possíveis candidatos da oposição, o presidente Lula tem uma chance especial de conduzir esta agenda de amadurecimento institucional, de progresso jurídico-regulatório e de reformas fiscais que possam pôr em marcha as decisões de investimento do PAC e do setor privado. A oferta doméstica de crédito e financiamento começa a se tornar pródiga e pode se expandir notavelmente: desde 2004 o crédito bancário vem escalando cerca de 3,5 pontos de percentagem do PIB ao ano (pode crescer mais se os compulsórios forem sendo relaxados); a emissão primária de debêntures e ações alcançou cerca de R$ 91 bilhões em 2006 e tende a crescer mais nos próximos anos. Com a taxa de juros em queda e com medidas bem dosadas será fácil prover o financiamento necessário à formação de capital.

Há, porém, um ajuste relevante a fazer na política macroeconômica e que exige descortino e sintonia fina entre o BC e o ministério da Fazenda. Graças à crescente robustez externa caiu significativamente a volatilidade da taxa de câmbio, da inflação esperada e da taxa futura de juros. Felizmente. Com robustez externa há pouco espaço para surpresas inflacionárias radicais e isso habilita o mercado a formar uma expectativa de longo prazo para a inflação, viabilizando o alongamento da dívida mobiliária (com papéis pré-fixados mais longos e/ou indexados a índices de preços). Mantido o superávit fiscal primário em torno de 4% do PIB nos próximos anos e avançando-se na execução do PAC estarão dadas condições para que a taxa Selic real possa convergir rapidamente (dois anos) para um nível próximo ao custo de captação do Tesouro Nacional em moeda estrangeira (descontada a inflação mundial). A única variável marcantemente desalinhada é a taxa de câmbio, que lamentavelmente o BC deixou ficar demasiado sobreapreciada. No seu nível atual estimula um violento surto de importações e deprime de forma contraproducente o crescimento do PIB (removeu 1,2 ponto de percentagem do crescimento em 2006, o que pode se repetir em 2007). Por isso seria sensato trazê-la suavemente para uma trajetória neutra e mais competitiva, com queda mais rápida dos juros e com um volume maior de intervenção cambial, ainda que isto implique em custos fiscais transitórios e em algum pequeno efeito, também transitório, sobre a inflação.