Título: Afrouxamento monetário e a política cambial
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 20/09/2012, Opinião, p. A18

O lançamento do novo programa de afrouxamento monetário dos Estados Unidos colocou o Banco Central (BC) em estado de alerta. As autoridades econômicas receiam que desencadeie mais um tsunami de capital internacional em direção ao país, solapando o patamar cuidadosamente erigido de uma taxa de câmbio acima de R$ 2,00. Não há consenso a respeito desse impacto, mas o governo já começou a agir.

É o terceiro programa de afrouxamento monetário a que o Federal Reserve (Fed, banco central americano) recorre para amenizar os efeitos sobre a economia da crise financeira que estourou no fim de 2007 e, por isso, é chamado de "quantitative easing 3" (QE3).

Ao longo desse tempo, o Fed já aumentou o seu balanço em cerca de US$ 2 trilhões, adquirindo títulos para dar liquidez ao mercado, abrir espaço para a desalavancagem das famílias, incentivar o crédito e estimular a economia. Quando a crise estourou, o balanço do Fed era de US$ 800 bilhões; em fevereiro, atingiu o pico de US$ 2,9 trilhões; atualmente, está em US$ 2,8 trilhões.

Apesar disso, a economia americana permaneceu anêmica e o desemprego elevado, estacionado em 8,1%. Com o governo politicamente impossibilitado de recorrer aos estímulos fiscais, especialmente agora quase nas vésperas da eleição presidencial, o Fed recorreu ao esperado QE3, que trouxe características inéditas. Em primeiro lugar, o programa envolve a compra de US$ 40 bilhões por mês em títulos lastreados em hipotecas, até que as perspectivas para o mercado de trabalho melhorem "substancialmente" - o que, para algumas fontes, seria reduzir o desemprego para 6% a 7%. O duplo mandato legal do Fed é promover o "máximo emprego e máxima estabilidade de preços".

Até o fim do ano, o Fed também continuará comprando títulos de longo prazo do Tesouro com recursos originários da quitação de dívidas mobiliárias em seu poder e a venda de papéis de curto prazo, o que significa cerca de US$ 45 bilhões por mês. Além disso, garantiu não elevar os juros até meados de 2015, além, portanto, do mandato de seu presidente, Ben Bernanke, que se encerra em 2014.

A expectativa do Fed ao tentar desanuviar o mercado imobiliário é facilitar a desalavancagem desse setor, pivô da crise internacional, para abrir espaço para a recuperação da economia e, naturalmente, do emprego. Foi uma grande cartada porque, na prática, promete continuar inundando o mercado de dinheiro até que a economia melhore. O próprio Fed reduziu a previsão de crescimento econômico deste ano de 1,9% a 2,4% para 1,7% a 2%, mas elevou a de 2013 de 1,9% a 2,4% para 2,5% a 3%. A produção industrial americana teve, em agosto, a maior queda desde março de 2009, de 1,2%, depois de ter subido 0,5% em julho; e a utilização da capacidade instalada caiu de 79,2% para 78,2%. Já as vendas no varejo subiram 0,9%, pelo segundo mês consecutivo.

Bancos centrais ao redor do mundo, inclusive o brasileiro, estão apelando ao afrouxamento monetário para estimular a economia. Ontem mesmo o Japão ampliou em volume e prazo seu programa de compra de ativos, entre os quais títulos corporativos, papéis do governo, fundos negociáveis em bolsa e fundos imobiliários, além de manter os juros perto de zero, em um sinal de que também conta com o prolongamento da crise.

A eficiência dessas medidas tem sido questionada, mas certamente a situação seria pior se não fossem postas em prática. E há ainda o impacto cambial, porque parte do dinheiro injetado busca melhores retornos em mercados emergentes como o Brasil, efeito constatado pelo Banco para Compensações Internacionais (BIS). A entrada desse dinheiro acaba apreciando as moedas dos mercados emergentes, com efeito perverso em suas balanças comerciais.

Há dúvidas se o impacto no Brasil terá a mesma intensidade dos outros QE. De fato, várias medidas foram tomadas pelo governo para limitar o espaço dos especuladores no mercado financeiro. A queda do juro e o baixo crescimento econômico também afastam o capital que busca alto retorno.

De toda forma, o Banco Central vem realizando vários leilões de venda de swap cambial reverso, que têm o efeito de compra de dólar no mercado futuro, desde a reunião do Fed, quinta-feira, aparentemente para sustentar a cotação da moeda americana acima dos R$ 2,00. Mas ainda é cedo para um fluxo maior de capital externo bater às portas do mercado brasileiro, assim como o arsenal à disposição do governo vai bem além dos swaps reversos. O embate está nas preliminares.