Título: E como ficam os investidores na renovação das concessões?
Autor: Pasian , Iara
Fonte: Valor Econômico, 20/09/2012, Opinião, p. A18

Após 17 anos, o governo emitiu a Medida Provisória (MP) 579, de 11/9/2012, que estabeleceu as regras para a renovação das concessões que vencem a partir de 2015. Todos reconhecem o esforço para reduzir o "Custo Brasil", que tem provocado a falta de competitividade da indústria nacional. A primeira fase do processo foi definida com a redução de impostos e encargos regulatórios e a segunda fase é a antecipação da renovação dos contratos de concessão.

Porém, a surpresa de alguns aspectos incluídos na MP resultou na queda do valor das empresas com ações em Bolsa. Por um lado, pela perspectiva da redução da receita das geradoras e transmissoras e, consequentemente, diminuição da rentabilidade futura. Por outro lado, a questão do que será, de fato, considerado no cálculo da indenização da infraestrutura ainda não amortizada, gerou incertezas regulatórias e preocupação dos investidores.

Até a emissão da MP, muito pouco foi abordado sob a ótica dos acionistas das empresas que passarão pelo processo de renovação das concessões, sejam os acionistas majoritários (governo federal e governos estaduais), ou os minoritários. E como concessão é um negócio de vida finita, os investidores precisam saber o que será indenizado e por qual valor, uma vez que eles têm a expectativa de retorno sobre o investimento realizado. Alguns interlocutores da indústria de energia afirmaram que os ativos de infraestrutura dessas concessões já estariam totalmente amortizados e a depreciação poderia ser retirada da formação do novo preço da energia, tendo, como consequência, a redução do preço final. Essa afirmação está equivocada e o próprio governo já reconheceu esse fato na divulgação da MP.

Embora as empresas concessionárias não tenham a obrigação regulatória de divulgar o saldo dos ativos não amortizados por tipo de concessão, com base nas demonstrações financeiras publicadas de 31 de dezembro de 2009 (base regulatória segundo os critérios de avaliação de ativos determinados pelo manual de contabilidade da própria Aneel e antes da implementação, no Brasil, do novo padrão internacional de contabilidade, o International Financial Reporting Standard, IFRS, que alterou a base de avaliação e classificação desses ativos), é possível verificar que a infraestrutura ainda não foi amortizada.

Considerando o universo de 16 empresas de distribuição e nove de geração e transmissão analisadas, representando cerca de 85% do grupo que terá suas concessões vincendas a partir de 2015, o ativo total apresentado é de R$ 138.020 milhões; o patrimônio líquido é de R$ 71.974 milhões; a receita líquida é de R$ 44.593 milhões; e o saldo da infraestrutura não amortizada, estimado em 2009 para 2015, seria de R$ 46.555 milhões. Assim, sem considerar novos investimentos entre 2009-2015, seriam necessários mais 14 anos para amortizar o saldo estimado para 2015.

É impossível conceber que uma empresa de geração, por exemplo, não faça novos investimentos, especialmente em repotencialização e melhorias de forma geral, que aumentem a vida útil desses ativos. No caso da transmissão, são feitos investimentos em expansão e reforço durante a vida da concessão, buscando o aumento da capacidade, a melhoria da eficiência e a segurança do sistema elétrico.

Essa mesma lógica pode ser seguida para empresas de distribuição, já que são realizados novos investimentos durante o prazo da concessão: a infraestrutura é refeita e substituída e o mecanismo de tarifa incentiva o investimento, especialmente em melhoria da tecnologia.

A partir de 2010, com a implementação das novas normas contábeis internacionais, passaram a existir diferenças na classificação e avaliação desses ativos de infraestrutura registrados nos livros oficiais entre as demonstrações financeiras regulatórias e as societárias e, por isso, é necessário fazer duas análises para entender os valores desses ativos e os respectivos impactos da MP, especialmente no caso das geradoras: parte deles manteve o valor do custo histórico regulatório, entendendo que os contratos de concessão garantem o direito de ser indenizado por esses valores. A outra parte adotou o valor novo de reposição depreciado - VNR.

Na semana passada surgiu a dúvida: como o governo irá determinar a metodologia para avaliação dessa infraestrutura não amortizada para fins de pagamento de indenização e do prazo de pagamento. As disposições gerais da MP determinam que os contratos de concessão de transmissão (já existentes em 31/5/2000), mesmo apresentando saldo não amortizado, não serão indenizados.

Essa determinação significa que, se houver saldo registrado, esse terá de ser possivelmente reduzido, impactando o resultado do exercício de 2012.

Por outro lado, a determinação da MP que os ativos de geração serão indenizados pelo VNR deveria ter sido refletida no valor das ações de forma positiva, pois o VNR deveria ser maior para as empresas que mantiveram o valor histórico desses ativos, a não ser que esse valor histórico esteja superavaliado em relação ao VNR e aquelas que já registraram esse valor, na implementação das novas regras, não deveriam sofrer variações.

Esta é uma evidência de que o governo poderá dar dois tratamentos à indenização: um para o saldo do projeto original dos empreendimentos não amortizados; e outro para o saldo dos investimentos posteriores realizados após a data do projeto original.

Nunca os investidores desse grupo de empresas tiveram dúvida sobre o direito de receber a indenização do valor registrado nos livros oficiais, seja atualizado monetariamente por índice de inflação ou pelo seu valor novo de reposição depreciado. Qualquer questionamento ou outro entendimento regulatório por parte do governo sobre os valores registrados nas demonstrações financeiras regulatórias e societárias resultará em impacto para os acionistas, especialmente os minoritários.

Qualquer diferença entre ambos os valores será refletida no resultado do exercício de 2012. Se o resultado for prejuízo, esse valor afetará o fluxo de caixa dos dividendos e o valor da empresa. Em linguagem contábil, ativo não recuperável tem de ser registrado contra o resultado e o patrimônio líquido.

Iara Pasian é sócia-líder da Indústria de Infraestrutura e Energia da Deloitte.