Título: Inflação e juros em alta
Autor: Pires, Luciano; Hessel, Rosana
Fonte: Correio Braziliense, 17/11/2010, Economia, p. 13

Céticos quanto ao compromisso de o governo Dilma manter o equilíbrio orçamentário, analistas projetam um quadro difícil em 2011. De novo, os consumidores pagarão a conta

Diante das enormes pressões parlamentares para expandir os gastos orçamentários em 2011 e do comprometimento de despesas patrocinadas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, para eleger Dilma Rousseff, o mercado acendeu o sinal de alerta: não acredita que o futuro governo fará o ajuste fiscal necessário para cumprir a meta de superavit primário (economia para o pagamento de juros da dívida pública) de 3,3% do Produto Interno Bruto (PIB). Tanto que reviu para cima as suas projeções de inflação e elevou a estimativa para a taxa básica de juros (Selic).

Segundo a pesquisa Focus, realizada semanalmente pelo BC, o mercado acredita, agora, que a inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) fechará 2010 em 5,48% ante os 5,42% projetados há sete dias. Para o ano que vem, já com o Brasil sob o comando de Dilma, a expectativa é de o custo de vida bata em 5,05%, superando, de longe, o centro da meta perseguida pelo BC, de 4,5%. Sendo assim, os quase 100 analistas que participam do levantamento passaram a prever juros de 12% ao ano contra os 11,75% indicados uma semana atrás.

Na opinião de Rossano Oltramari, analista-chefe da Corretora XP Investimento, além do desregramento fiscal, o mercado se assustou com o último resultado do IPCA, divulgado no início do mês pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Enquanto a maior parte dos economistas esperava uma alta de até 0,65% na inflação, a taxa alcançou 0,75% ¿ mostrando um cenário diferente do que o BC previa, bem mais benigno.

¿Os alimentos vieram muito forte e devem continuar pressionando o indicador no próximo mês. Por isso o mercado decidiu rever suas projeções¿, explica Oltramari. José Márcio Camargo, professor da PUC-RJ e economista da Opus Gestão de Recursos, vai além: ¿Não acho que o governo Dilma fará um ajuste fiscal drástico. Provavelmente, usará o argumento de que a economia está crescendo para tentar segurar os gastos correntes e reverter isso para investimentos¿.

Além do fator alimentação, os analistas estão levando em conta o preço dos serviços, que continuam em ascendência, reflexo do maior poder de compra dos brasileiros. Os gastos desenfreados do governo têm responsabilidade direta nesse quadro, pois sustenta a demanda doméstica, pondo a política monetária em situação difícil. De acordo com os especialistas, se um ajuste fiscal não for realizado, a alta dos juros no ano que vem será necessária e, a depender dos resultados do IPCA, a elevação da Selic pode vir com intensidade.

China Segundo Oltramari, é preciso ficar atento ainda às turbulências na Europa e às medidas econômicas na China. O gigante asiático está preocupado com a inflação e deve promover um aperto monetário, o que tende a arrefecer a demanda por commodities (mercadorias com cotação internacional) e, consequentemente, reduzir os preços desses produtos, como a soja e o milho. O problema é que o mundo tem passado por seguidas quebras de safras de produtos importantes e por mais que o consumo se arrefeça no oriente, a demanda deve continuar maior que a oferta.

Na Europa, países como a Irlanda e Portugal estão à beira de um novo colapso, devido às dificuldades para cumprir os prometidos ajustes fiscais. Ontem, por sinal, os mercados mundiais começaram a aventar a possibilidade de uma nova onda da crise espalhar desconfianças mundo afora.

Promessa difícil A presidente eleita, Dilma Rousseff, prometeu reduzir a taxa real de juros do país (que desconta a inflação) para 2% ao ano até 2014, fim de seu mandato. Hoje, esse indicador varia entre 5% e 6%. Para cumprir tal objetivo, o futuro governo terá que botar o pé no freio dos gastos com a máquina pública e ampliar os investimento em infraestrutura. Só assim, finalmente o Brasil conseguirá se livrar do título de campeão mundial dos juros altos.

Controle de capitais » Liana Verdini

Uma combinação de controle da entrada de capitais com ajuste das contas públicas. Essa é a receita do economista Luiz Guilherme Schymura, presidente do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV), para o Brasil enfrentar a forte valorização do real, que encarece os produtos nacionais e prejudica as exportações. Na opinião dele, a margem de manobra do governo é estreita, especialmente porque não há condições políticas para a adoção de medidas mais impopulares.

¿Até o momento, a estratégia do governo tem sido a de acelerar a compra de reservas, tributar de forma crescente as entradas de capital para a renda fixa e encarecer as apostas no real no mercado de derivativos da BM&F¿, destaca ele na Carta do Ibre, publicada na revista Conjuntura Econômica. Para Schymura, os riscos desse estratagema são compras abaixo da necessidade, gerando pressões inflacionárias, e ação previsível do Banco Central para o mercado.

¿O Brasil chegou, portanto, a uma etapa do manejo macroeconômico que tem se revelado cara (o custo da acumulação de reservas) e pouco eficaz¿, avalia. A preferência dos economistas, como admite Schymura, recai sempre sobre um ajuste mais intenso das contas públicas, levando o superavit primário ¿ a economia feita pelo governo para pagar os juros da dívida pública ¿ a níveis muito superiores à atual meta de 3,3% do Produto Interno Bruto (PIB). ¿O modelo distributivo ampliou enormemente os gastos correntes e as transferências públicas a indivíduos. Dessa forma, é forçoso admitir a dificuldade em se promover, a curto prazo, uma forte correção fiscal.¿

Schymura ressalta que, no limite, uma alternativa seria impor custo, via taxação, a todo capital que entrasse no país, financeiro, para investimentos diretos ou até os provenientes de exportações. ¿Provavelmente, não será necessário ir tão longe. Contudo, é bem possível que o governo vá ampliando o rol de canais de fluxo de divisas tributado, à medida que intensificar seu combate à valorização cambial¿, pondera ele.

Opções Uma outra alternativa elencada pelo presidente do Ibre seria o Brasil deixar o real se valorizar, interrompendo a compra de dólares. ¿O efeito colateral mais perigoso dessa opção é o de provocar danos ao tecido industrial e bolhas de ativos¿, analisa o economista. ¿Os riscos, porém, não devem ser exagerados, já que uma valorização menos controlada traz a contrapartida de reviravoltas inesperadas na trajetória do câmbio. Além disso, o efeito anti-inflacionário do real mais apreciado poderia levar a uma queda dos juros mais rápida¿. A taxa básica da economia (Selic) está atualmente em 10,75% ao ano e pode subir para 12% no ano que vem caso a presidente eleita, Dilma Rousseff, não cumpra o compromisso de manter as contas públicas equilibradas.

A última opção seria reduzir o câmbio nominal, com a desvalorização do real. ¿O problema é que, para tanto, intervenções no mercado cambial não bastam, como o exemplo brasileiro bem indica. É preciso também que as intervenções não sejam totalmente esterilizadas, o que significa deixar que reais injetados no mercado para comprar dólares permaneçam em mãos do público e engendrem uma forte queda da taxa de juros real. Isso significa implodir o regime de metas de inflação¿. Hoje, o Banco Central compra o excesso de dólares do mercado para reforçar as reservas cambiais, que caminham rapidamente para os US$ 300 bilhões, mas para não deixar na economia os reais usados nas operações, lança títulos públicos. O problema é que tais transações custam muito caro aos cofres do país, pois, o BC paga a taxa Selic aos investidores e as reservas recebem remuneração média de 2% ao ano.

Balança no azul » A balança comercial registrou superavit de US$ 896 milhões na segunda semana de novembro. As vendas do país ao exterior somaram, no período, US$ 5,635 bilhões, com média diária de US$ 1,127 bilhão. Já as importações atingiram US$ 4,739 bilhões, ou US$ 947,8 milhões ao dia. No mês, a balança acumula saldo positivo de US$ 1,325 bilhão e, do ano, de US$ 15,946 bilhões.

À espera da nova equipe O mercado financeiro aguarda com atenção o anúncio de novas medidas para conter a valorização do real frente ao dólar. A expectativa é de que a divulgação ocorra logo depois da divulgação da equipe econômica de Dilma Rousseff. Os analistas acreditam que os indicados para o Ministério da Fazenda e para o Banco Central poderão afinar os ponteiros no sentindo de reverter o derretimento da moeda norte-americana, que está tirando a competitividade dos produtos exportados pelo Brasil.

Uma das medidas esperadas por bancos e corretoras é o retorno dos leilões de swaps cambiais reversos, operações nas quais o Banco Central aposta na valorização do dólar e o mercado, na alta dos juros. Também não está descartado um novo aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), que passou de 2% para 4% e, depois, para 6%, sem que a valorização do real fosse contida. Os investidores estrangeiros continuam trazendo recursos em peso para o país, aproveitando-se do grande diferencial de juros aqui (10,75% ao ano) e nos países desenvolvidos (2% anuais, em média).

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, já avisou que o governo está pronto para conter a enxurrada de dólares no país. Mas, apesar das ameaças, nada foi feito até agora. Com isso, o saldo da balança comercial está minguando, já que os brasileiros estão preferindo importar mais. Os pessimistas apostam que, em 2011, o primeiro ano do mandato de Dilma, o Brasil voltará a ter deficit comercial. Não à toa, as previsões para as contas externas são de rombo de até US$ 100 bilhões, tornando o Brasil mais dependente de capital de curto prazo. (VM)