Título: Juristas pedem que Ordem regule nova Lei de Lavagem
Autor: Prestes , Cristine
Fonte: Valor Econômico, 20/09/2012, Legislação, p. E1

Sempre em lados opostos, acusação e defesa entraram em um consenso ao cobrar da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) a regulamentação da nova Lei de Lavagem de Dinheiro no que diz respeito às novas obrigações impostas aos profissionais que prestem serviços de assessoria e aconselhamento em operações societárias, financeiras e imobiliárias, entre outras. Durante uma palestra no Instituto Brasileiro de Direito Empresarial (Ibrademp), realizada ontem em São Paulo, o procurador da República Rodrigo de Grandis e o advogado Celso Vilardi, ambos especialistas em crimes financeiros, concordaram que a OAB está apenas adiando o problema ao entender que a lei não se aplica aos advogados, enquanto estuda contestá-la na Justiça. "O que a Ordem fez é uma tremenda bobagem. Ela está perdendo a oportunidade de debater o tema", diz Vilardi. "Há um novo dever jurídico para o advogado que, se não for cumprido, poderá gerar eventuais denúncias contra ele", afirma Grandis.

A Lei nº 12.683, de 9 de julho deste ano, alterou a Lei de Lavagem de Dinheiro datada de 1998 ao incluir novas atividades entre aquelas obrigadas a comunicar operações suspeitas desse tipo de crime ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf). Pelo texto da norma, ficam sujeitas a prestar essas informações ao órgão pessoas físicas e jurídicas que realizem serviços de assessoria, consultoria, contadoria, auditoria, aconselhamento ou assistência, de qualquer natureza, em operações financeiras, societárias ou imobiliárias - atividades que costumam contar com a atuação de advogados.

Logo que a lei foi publicada, a OAB cogitou ingressar com uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin) no Supremo Tribunal Federal (STF) para contestá-la. Já tramita na Corte uma Adin no mesmo sentido, mas impetrada pela Confederação Nacional das Profissões Liberais (CNPL). Já a OAB, ao invés de contestar a lei, elaborou um parecer, aprovado por unanimidade pelo conselho federal da entidade, pelo qual orienta os advogados no sentido de que não estão sujeitos à nova Lei de Lavagem de Dinheiro.

De acordo com a advogada Daniela Teixeira, conselheira federal da Ordem pelo Distrito Federal e responsável pelo parecer, o sigilo na relação entre o advogado e o cliente é inerente à profissão e está previsto em lei. "A Lei de Lavagem tramitou durante muito tempo no Congresso Nacional, quando se teve a oportunidade de incluir os advogados no rol de pessoas obrigadas a comunicar operações suspeitas", diz. No entanto, segundo ela, isso não ocorreu, e o "silêncio eloquente da lei" nesse sentido deixa claro que os advogados não foram incluídos na legislação.

Embora a entidade entenda que os advogados não se sujeitam à legislação, esse entendimento não é unânime nem mesmo entre os integrantes da classe. Celso Vilardi afirma que, como a OAB se recusa a regulamentar o tema e não cabe ao Coaf ditar regras a setores regulamentados - como é o caso da advocacia -, o Supremo terá que se manifestar a respeito. Rodrigo de Grandis diz que, se isso ocorrer e o Supremo seguir a orientação internacional sobre lavagem de dinheiro, será preciso regulamentar a norma. Isso porque, segundo ele, diversos países já estabeleceram que o sigilo profissional do advogado é relativo - como o bancário, o fiscal e o telefônico. Ambos concordam que o tema é espinhoso. "Espero que não me venha nenhum processo sobre isso em breve", afirma.

Vilardi vai além. Para ele, a nova Lei de Lavagem trouxe um outro problema ao alterar o texto do inciso I do parágrafo 2º do artigo 1º da legislação. Conforme o texto da lei anterior - a Lei nº 9.613 -, incorre na mesma pena da lavagem de dinheiro quem utiliza bens e valores que sabe serem provenientes dos crimes antecedentes, como corrupção e tráfico de drogas, entre outros. O texto da Lei nº 12.683, no entanto, ampliou a possibilidade de punição a quem utiliza dinheiro proveniente do crime ao retirar dela a condição de conhecedor da origem do dinheiro. Em outras palavras, a inserção, na economia, de valores recebidos a título de honorários advocatícios pagos com dinheiro proveniente do crime também sujeita-se à punição por lavagem de dinheiro.

"Todos os países estão discutindo a questão dos honorários e nós estamos fingindo que o problema não existe", diz Vilardi. Segundo ele, já é comum, nas delegacias de polícia, pessoas suspeitas de terem cometido crimes serem indagadas sobre como irão pagar seus advogados. Segundo Rodrigo de Grandis, a Alemanha, por exemplo, já considera que o advogado que recebe honorários pagos com dinheiro do crime pode incidir em lavagem de dinheiro. "Pergunta-se como o cliente poderá se defender. Na Alemanha, a resposta é: procure a defensoria pública", conta. "É importante que a classe discuta o tema e pressione a OAB para que ela não feche os olhos para isso."