Título: A caderneta está de volta
Autor: Fariello, Danilo e Camba, Daniele
Fonte: Valor Econômico, 20/10/2006, EU & Investimentos, p. D1

Com a Selic a 13,75% ao ano, os fundos de renda fixa, DIs e curto prazo perderam ainda mais a atratividade em relação à tradicional caderneta de poupança. Numa simulação, se o retorno dos fundos for constante em 13,75% no próximo ano - embora sejam previstas novas reduções - e o ganho da caderneta de 0,69% em outubro for replicado pelo mesmo período, fundos com taxas de administração altas poderão render menos do que a poupança, que oferece retorno da Taxa Referencial (TR) mais 6% ao ano.

A projeção considera o imposto de renda regressivo sobre o fundo, que varia de 22,5% a 15% conforme o prazo da aplicação. Pelos cálculos, a caderneta será mais rentável - já que é isenta de IR - quando comparada a uma carteira com taxa de administração de 4% ao ano, se esta aplicação durar menos de 20 meses, mostra estudo Alexandre Espírito Santo, sócio da Avanti e e professor de finanças da ESPM-RJ. Mesmo se considerada uma taxa de 3% ao ano, o fundo só compensa se o investimento durar mais de 12 meses. Em prazos curtos, portanto, a caderneta está mais vantajosa do que esses fundos.

Os fundos já sentem o peso de uma poupança mais turbinada nos últimos meses. Segundo dados do site Fortuna, nos últimos três meses, até a setembro, os fundos de renda fixa de varejo com aplicação mínima de até R$ 5 mil renderam, em média, 2,64%, próximo do retorno de 2,09% da caderneta de poupança. Se o investidor resolvesse sacar o dinheiro no curto prazo pagando imposto de renda de 22,5%, o ganho cairia para 2,05%, portanto, abaixo da boa e velha poupança. "A poupança, que antes era uma fraca concorrente, ficou atraente", diz Marcelo D'Agosto, Fortuna.

Com esse novo cenário, a taxa de administração do fundo e o imposto de renda a pagar ganham ainda mais relevância na hora de decidir onde investir. Quanto menor o prazo, maior a alíquota de IR no fundo, portanto, pior é a comparação com a caderneta. "Para quem for investir pouco tempo em um fundo com taxa de administração alta, poderá valer mais a pena pensar em outras alternativas de aplicação", completa D'Agosto. A melhor combinação, na opinião dele, está em fundos com uma gestão mais ativa, com taxa de administração e risco baixos.

Alguns fundos já não têm praticamente nenhum diferencial para o investidor de varejo em relação à caderneta, diz Roberto Derziê, superintendente nacional de serviços e captação da Caixa Econômica Federal. "Se a Selic cair mais, maior será a atratividade da poupança." Na Caixa, que mantém um terço dos recursos aplicados em caderneta do país, a captação da poupança aumentou. De junho até ontem, a captação chega a R$ 1,8 bilhão. O superintendente lembra ainda que a existência do Fundo Garantidor de Crédito (FGC) - que recentemente teve seu teto de pagamento elevado de R$ 20 mil para R$ 60 mil - é uma chamariz a mais para a caderneta em relação aos fundos.

O perfil do aplicador de caderneta, no entanto, é diferente daquele que investe em fundos, diz Marcos Villanova, superintendente-executivo de Investimentos do Bradesco. Segundo ele, o investidor de fundos busca liquidez diária, que no caso da caderneta é mensal, e a mudança recente ainda não fez esse investidor transferir recursos entre as aplicações. "Mas, se o juro continuar a cair e o cálculo da rentabilidade da poupança não mudar, essa migração poderá ocorrer", diz.

Contratos futuros negociados na Bolsa de Mercadorias & Futuro ontem (BM&F) com vencimento em outubro de 2007 indicam juro médio de 13,27% ao ano, ou seja, embutem expectativa de novas quedas nos próximos meses. Nessa toada, Villanova diz que os gestores terão de buscar mais risco para que os fundos voltem a ter ganho maior, seja investindo mais em papéis prefixados de longo prazo, seja aplicando em títulos privados.

A redução maior dos juros também poderá fazer com que os bancos revisem as taxas dos CBDs ao varejo, observa Derziê, da Caixa. Percentuais de 75% do CDI, oferecidos em aplicações até R$ 5 mil, também já perdem para a caderneta. Mas, haver um leque maior de opções de investimento, é saudável para a economia, diz ele. "É essa concorrência, por exemplo, que poderá levar as taxas dos fundos a cair."

Atualmente, segundo o site Fortuna, as taxas de administração rondam 3,6% ao ano para aplicadores de varejo. No caso dos investidores de alta renda, as taxas já são baixas e os fundos continuam com ganho acima da poupança, diz Villanova. Para competir com uma caderneta mais atraente, os bancos de varejo terão de baixar as taxas de administração para o grande público, diz o professor da Brazilian Business School, Bolívar Godinho. "Esse é um movimento irreversível, que terá de acontecer para os fundos continuarem captando", diz. Ele acredita que as carteiras com as maiores taxas (entre 5% e 6% ao ano) passarão a cobrar no máximo 3% ao ano. Para o professor, todos os bancos estão esperando o primeiro tomar iniciativa para depois ir atrás. "Nisso ninguém quer ser o primeiro", diz.

Mas quando isso irá acontecer? Ninguém quer abrir mão desse ganho tão facilmente. Nos bastidores, grandes gestores já discutem um movimento orquestrado de redução global das taxas. Mas se acredita que a tesoura só será aplicada às taxas dos fundos quando houver maior transferência de recursos para a caderneta, por exemplo. Um grande participante do mercado acredita, porém, que esses cortes não ocorrerão ainda neste ano.

Essa possibilidade de migração de investidores para a poupança poderia trazer também outros problemas para os bancos, que têm de dedicar 65% desses recursos para o crédito imobiliário. Teme-se uma oferta exagerada de recursos para financiar imóveis. Entidades do setor têm apresentado ao governo propostas de reavaliação do cálculo da TR. Por conta disso, a rentabilidade da caderneta de poupança poderia vir a cair. Embora o governo tenha afirmado que não aceitará a idéia, as apostas de que isso ocorrerá apontam relação de praticamente um voto sim, para cada outro não.